Levanto, vejo - já é de manhã!
"Levanto, vejo - já é de manhã! Abro a janela do meu quarto, ainda não estou acostumado com o brilho que começa invadir a escuridão que permeou minha noite. Meus olhos se vulgarizam àquele diáfano, e se acostumam por fim. Afinal, quem decidiu abrir a janela? E mais uma vez, como sempre, sempre pontual, sempre irradiante, sempre robusto, e outros sempres, o sol. O Sol. Está lá. No céu, clareando, mostrando o que a noite encobriu e escondeu; talvez o que não devia ser escondido, ou o que nunca devia ser visto, mas, enfim, com plena indiferença, mostrar, eis o que o sol faz. Logo a luz se mistura com meu cansaço de ser arrancado por mim mesmo da cama, nasce minha disposição. Me sento, me acalmo, leio mais algumas páginas de um ligeiro livro de Schopenhauer. Logo pela manhã leio algumas de suas opiniões sobre liberdade, vejo suas indagações, cuido em juntar as letras, depois estas em palavras, e estas ainda em frases, e aos poucos entendo cada vez melhor o contexto... "A liberdade de querer é real... E podes querer também o que queres?" Ele indaga. E eu me indago. E eu me questiono. Onde está minha liberdade? Sei, sei, está em muitos lugares... Mas, poder-se-ia ter a liberdade de só uma manhã não encontrar um sol no céu - encoberto por nuvens, ou mais nu que feto prematuro de aborto? Já disse o sábio Salomão: "Não há nada de novo debaixo do sol". E continuo raciocinando: - Não sou livre a tal ponto de ter novidades debaixo desse sol que invade meu quarto todas as manhãs? Ora, o sol é aquele que me faz enxergar, ele é o que minha visão necessita, ele é a luz. Ele clareia o mesmo mundo, os mesmo seres, as mesmas ações, e por isso vejo-as da minha janela, e assim posso enxergá-los. Será que devo deixar mais claro que sempre terei os mesmos olhos do sol? Logo, nada muda, sempre tudo é o mesmo. As vezes ver o nascimento de alguma percepção nova - esta realmente como não participa materialmente das coisas vulgarizadas a serem esclarecidas pelo sol, por estarem além da barreira dos meus olhos, são realmente novas. Ao menos novas para mim. Mas, são percepções emcima de coisas já conhecidas da luz e do calor da única estrela desse tal sistema de planetas que vivo. Já são coisas de lá, então o que significa minha percepção? Se é insignificante não é capaz de desbancar o "nada" da frase de Salomão. Tá, tá... E se forem percepções pessoais, únicas, interiores? Bem, é outro mundo não? Mas, de novo, qual será a novidade que então será criada para o sol? E penso ainda em comprar, talvez um telescópio. Se não há nada debaixo do sol que é novo, por que não comprar algo que me faça ver acima do sol? Ou melhor - "acima" do sol? O que vejo? Escuridão. E isso desemboca no meu tédio. Ah! Um, dois, três... Mil... Alguns bocados... de estrelas "acima" do sol.. É... Novidade? Sabe qual o problema disso tudo? Todos, desde pequenos acostumados com a luz que o sol sempre nos deu. Acostumados a enxergar como o sol quer que enxergamos. Então, passo a me indagar: - De tanto costume com essa luz invasora de janelas (um costume à nível molecular!), não já aprendemos (unicamente) a enxergar somente de uma forma? Ou seja, novidades interiores, estrelas além do sol, tudo isso se resumindo a uma vaga abstração irreal... Mais tédio."
(Arthur Leandro)
E aqui o que Salomão falou a não sei quantos anos:
"O que o homem ganha com todo o seu trabalho em que tanto se esforça debaixo do sol?
Gerações vêm e gerações vão, mas a terra permanece para sempre.
O sol se levanta e o sol se põe, e depressa volta ao lugar de onde se levanta.
O vento sopra para o sul e vira para o norte; dá voltas e mais voltas, seguindo sempre o seu curso.
Todos os rios vão para o mar, contudo o mar nunca se enche; ainda que sempre corram para lá, para lá voltam a correr.
Todas as coisas trazem canseira. O homem não é capaz de descrevê-las; os olhos nunca se saciam de ver, nem os ouvidos de ouvir.
O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do sol.
Haverá algo de que se possa dizer: "Veja! Isto é novo! "? Não! Já existiu há muito tempo; bem antes da nossa época.
Ninguém se lembra dos que viveram na antigüidade, e aqueles que ainda virão tampouco serão lembrados pelos que vierem depois deles.
(...)
Tenho visto tudo o que é feito debaixo do sol; tudo é inútil, é correr atrás do vento!
15 O que é torto não pode ser endireitado; o que está faltando não pode ser contado.
16 Pensei comigo mesmo: Eu me tornei famoso e ultrapassei em sabedoria todos os que governaram Jerusalém antes de mim; de fato adquiri muita sabedoria e conhecimento.
17 Assim eu me esforcei para compreender a sabedoria, bem como a loucura e a insensatez, mas aprendi que isso também é correr atrás do vento.
18 Pois quanto maior a sabedoria maior o sofrimento; e quanto maior o conhecimento, maior o desgosto."