Essa Minha Privação

Queria conseguir entender esse caos todo. Talvez se eu fizesse parte, mesmo que pequena dele, conseguiria algo, ainda que não valesse grande coisa. Isso de ser sempre a espectadora às vezes cansa. Ou cansa sempre, sei lá. Estou sempre cansada, sempre exaurida, como se apenas aquilo que eu visse de longe extraísse tudo que existe dentro de mim. Olhar as vidas que passam, ouvir suas vozes, seus passos, quase sentir seus toques... É como se eu fosse o fim disso tudo. O fim das alegrias e tristezas deles, tuas, daquelas que eu quis pra mim, é como se eu apenas recebesse, assistisse suas vidas fluírem, voarem, se perderem bem na frente dos meus olhos. E a minha voz é a pior parte. Ela é rouca, mesmo que nunca grite, meus pés doem, mesmo que nunca saiam do lugar. Se meus olhos nem que ousam fechar por um momento, todo esse infinito das pessoas, todo esse redemoinho ganha vida em mim. No silêncio, na quietude de saber que eu jamais serei assistida. Castigo ou benção, penso eu; esse cosmo gigantesco que vejo todo dia me inspira, me felicita, me dá ar para conseguir pensar com clareza, lembra meu coração que ainda há sangue para bombear. Sem essa doce inveja, esse desejo escondido de ser como todos, ordinária, sem medo e razão, não imagino o que me restaria. A minha coragem não está nos grandes atos, nas falas bonitas nem nada parecido, não - ela está sempre na surdida quando ousa soltar um suspiro, uma palavra arriscada, um olhar sem piscadelas para quem chama minha atenção. E eu lhe garanto que todos chamam, absolutamente todos. Quero ser de todos, todos os amigos, os amantes, os pais e mães, os repousos nos abraços, a melodia dum riso, de tudo que vejo todo dia dessa gente. Mas sei que não sou, essa vida não é para mim. Meu prazer está em liberar que seja uma fagulha de mim mesma quando me der vontade, em correr o risco de ser pega, de liberar as frestas de mim para quem eu resolvo confiar. Todo mundo é um universo indescritível, e eu não sei fazer nada além de, só de longe, namorar o teu, de qualquer um que cruze a minha visão e me permita absorvê-lo.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 03/04/2014
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