DO ÍNTIMO AO BRASIL

Eu que sou super educado, peço licença até para as alternâncias do ventilador, dou boa noite ao William Bonner, evito música alta para não incomodar os vizinhos. Fico a questionar enquanto faço xixi ouvindo o seu barulhinho especial quando entra em comunhão com a água. –Banheiro é lugar de reflexão. Questiono meus enredos, meus tempos verbais, minhas filosofias, meus pelos pubianos ou falta deles e todas as outras coisas que um ser humano gosta de questionar. Mas acaba tudo em vermelho. Acho que imito bem, imito até seu rosto no espelho. Tudo isso pra tentar ter você de alguma forma. Tô sempre sozinho e com medo da minha própria sombra, medo dos vultos e dos barulhos sinistros oriundos da madrugada solitária.

Mesmo amedrontado fui à cozinha.

O leite derramou de novo e, como gosto do branco, decidi mantê-lo assim; debruçado no chão, com um andar tímido para o horizonte em busca de algo que o faça estagnar.

O sol está saindo... Ainda meio tímido, mas intrépido. Tá colocando as asinhas de fora e os primeiros raios aqui em casa, mais precisamente, na janela do meu quarto onde minha cortina não é capaz de bloquear totalmente a luz. Estava pensando em comprar uma persiana, porém, não consigo sair de casa. Sair do quarto para ir até cozinha comer tem sido de grande esforço. Estou aceitando doações de tudo que começa com P: Persianas, poemas, pingentes, partituras, partículas, polígonos, premiere, pets companheiros e pintos de borracha.

Sou apenas um garoto que não vê mais sentindo nas coisas, passo minhas horas aprendendo novos idiomas e ouvindo indie enquanto leio artigos de caráter político para tentar entender a situação do meu país. Também não enxergo qual o sentido em estudar política, já que eu não pretendo sair do quarto. Pelo menos hoje não! E mesmo que saísse não iria adiantar, infelizmente, não sou engenhoso o bastante para saber o embrião do problema.

De quando em quando, sou aguerrido e executo aparições em público. Algumas vezes por longos períodos, outras; por alguns segundos. Tenho temores. Brasil não é país pra gente sensível, tem que ser forte de coração pra viver aqui. Como tenho uma sensibilidade ímpar fico exausto toda vez que vejo conflitos. Tô sozinho nesse palco, mas não tenho aplausos nem vaias. Tá todo mundo preocupado se o salário vai dar pra comprar comida até o fim do mês. – E se ficar doente? – Tem SUS.

Então, prefiro não sair em público. Querem meus irmãos brasileiros mais inteligentes, porém não proporcionam um diminuto respeito. Tô sedento por chuva. Queria que uma enxurrada levasse todos os embates. Demônios querem a volta da ditadura, não percebem o erro. Tem tanta coisa acontecendo que não acho justo expor problemas sentimentais e ainda exigir atenção de uma população com fome de justiça. –Não está tudo perdoado. A gravidade não irá segurar o mundo pra sempre. O hino nacional e os cantos indígenas não irão nos proteger eternamente.

Lucas Guilherme Pintto
Enviado por Lucas Guilherme Pintto em 03/04/2014
Código do texto: T4754394
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