NOTA SOBRE AS RECODIFICAÇÕES DOS CÓDIGOS AFETIVOS

“O mais irritante no amor é que se trata do tipo de crime que exige um cúmplice.”

“Não podendo suportar o amor, a Igreja quis ao menos desinfetá-lo, e então fez o casamento.” Charles Baudeleire

A mitificação do amor romântico torna opaco e impreciso qualquer discurso amoroso que fuja dos lugares comuns das idealizações e fantasias fundadas na primado da eleição afetiva.

Somos volúveis em nossas fantasias de paixão e enamoramento porque elas estão pouco de acordo com a crise contemporânea das estratégias de construção das subjetividades. Gozamos hoje de uma liberdade quase ilimitada no que tange as escolhas individuais e a definição de nossos projetos de vida desde que o matrimônio deixou de ser um “destino natural”. Nossa afetividade é agora o que define as prioridades e escolhas inerentes à vida privada, o que não se confunde com a dinâmica do chamado “amor líquido”. São os laços afetivos que passaram a não sofrer mais tão fortemente o peso dos protocolos do trato social, intensificando nossa passionalidade. O fato é que a sexualidade continua sendo o grande referencial de nossos relacionamentos íntimos. Isso em um contexto em que a realização pessoal através da plenitude da vida conjugal já não é uma prioridade para a maioria das pessoas. Sucesso profissional, autonomia pessoal e “narcisistas” falam mais alto do que o intercambio amoroso quando o assunto é a busca de uma vida significativa.

Isso tudo apenas significa que o lugar do amor em nossas vidas já não é mais o mesmo que ocupava até a primeira metade do século passado. Há uma urgência em sua redefinição frente a esses tempos de pós orgia nos quais a velha bandeira da “liberdade sexual” tornou-se paradoxalmente tão conservadora quanto aos ingênuos e pueris caminhos de um “celibato provisório” ou “amor comedido” inspirado pelo desbotado mito do amor romântico e seu idealismo eletivo.