O Vazio do Reflexo

Quem dera eu poder ser outro alguém. Sentir tudo doutro jeito, ouvir outra voz ecoar nas paredes da minha cabeça, ter um ar que trouxesse vida de verdade aos meus pulmões, e não essa morte. Essa morte arrastada, esse sono perpétuo, dormência dominante em cada membro do meu corpo. Quis ser tantas coisas... Imaginava outra vida, outro ser, outra chama nessa alma. Alma velha, largada, rasgada e esquecida a minha é. Quem se lembra do que nunca nada foi? Do figurante, na dobra da página da história linda e cativante de outro alguém. Ninguém quer saber do fim, ouvir sua história, saborear sua amargura. A gente quer o doce, o vivo, bonito, o pronto pra aventura, pro fervente nascer do sol. Aqui, o sol já se foi há muito tempo. Vivo entre eclipses, luas sangrentas, crepúsculos cinzentos, noites sem fim. E na noite nada nasce, não há o que florescer, encantar e convidar pra bailar, cair, surgir no momento, na beleza do instante. Não, eu sou é da madrugada - enquanto todos dormem, sonham e se reviram nos lençóis, eu faço das ruas vazias o meu palco. Do silêncio, meu espectador e das estrelas, minhas amigas. As mais fiéis e eternas companheiras que qualquer vagante nesse mundo pode ter.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 23/03/2014
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