Spleen depois da meia noite.
Gostaria de saber o que estou fazendo comigo mesmo.
Eu quero dizer... Eu gostaria de saber qual o sentido de todo esse ritual a qual eu me submeto sem nem mesmo perceber.
Dormir tarde, acordar tarde, ler livros pela metade, encarar as paredes caindo aos pedaços e as aranhas criarem teias no teto.
Beber cerveja. Sozinho ou com companheiros que sequer entendem o que se passa na minha cabeça.
Ontem mesmo, foi aniversario de um desses camaradas.
Eu preferiria ter ficado em casa repetindo a rotina do dia anterior e talvez escrever algo que preste.
Mas por ter um certo apreço pelos meus colegas, me forcei a tomar um banho e ir encontrá-los nesse bar perto do centro.
Estando lá, posso dizer que tive uma noite razoavelmente agradável, conversando generalidades entre uma bebida e outra. Sobre mulheres, boa parte do tempo, como é de costume entre nós.
Alias, no meio deles, parece que eu encarno um papel. Não sei explicar.
É como se eu fosse outra pessoa. Totalmente apartada do rapaz que bebe sozinho as terças feiras e escreve poesia e contos de amor frustrado.
Será possível que eu seja duas pessoas?
É engraçado encarar essa perspectiva.
A maior parte das pessoas que convivem comigo não me conhece de verdade.
Boa parte das mulheres que estiveram comigo não me conhece de verdade.
Eu podia simplesmente viver a vida que as pessoas acham que é normal de se viver... Digo... Acordar cedo, ser responsável, assistir TV, consumir toda a bosta que tentam nos enfiar goela abaixo. Arrumar uma namorada, cortar o cabelo, manter a barba aparada... terminar logo esse Doutorado. Arranjar um emprego numa repartição pública, ganhar um salário decente.
Casar, quem sabe ter filhos, morar num apartamento e ter um carro na garagem, como se tudo isso fosse uma vitória.
Enfrentar engarrafamento todos os dias. Ler os jornais, preencher palavras cruzadas. Ver futebol, torcer para algum time qualquer, reclamar do juiz...
Talvez ter uma amante ou duas. Ter algumas brigas sérias com a esposa.
Dormir no sofá!
Sinto que parte de mim sente a necessidade de embarcar nesse trem e seguir o fluxo.
Outra parte sente que nunca vou me ajustar a essa realidade.
Provavelmente vou terminar solteiro ou divorciado. Num apartamento claustrofóbico, bebendo uísque 12 anos as terças feiras e escrevendo poesia suja.
Suburbano, desconhecido como poeta, com mais casos de amor e rompimentos do que eu possa lembrar.
Com um cachorro vira latas aos meus pés. Tão vira latas quanto eu.
E um dia eu vou acordar numa poltrona desconfortável, moído de ressaca. Vou olhar para trás no meu passado, novamente dividido, e parte de mim vai agradecer não ter entrado naquele trem. A outra parte, talvez se lamente, ou se questione como tudo poderia ter sido.
Com certeza, essa não é uma madrugada boa para questionamentos filosóficos.
Não há comida na geladeira. Não por que me falte dinheiro para comprar.
Mas pela minha preguiça de fazê-lo.
Não há bebida. Mas mesmo que houvesse, hoje não me apetece beber.
Também não há mulher em minha cama.
Só tédio.
Tédio e mosquitos.
Essa noite os tenho comigo em abundância.