Dolorosa Declaração

"Esse não é o fim", é o que eu digo a mim mesma infinitas e repetidas vezes. Tudo pode ainda voltar ao normal, o relógio ir para trás, a inocência reaparecer na minha cabeça como se nada houvesse jamais acontecido. Ou não, é claro. Talvez isso seja um furacão, um redemoinho pronto pra me levar, me dilacerar no vento, arrancar qualquer mísera humanidade restante em mim. Seja qual for o caso, eu aceito. Aceito o que vier, o fogo, as chamas, a fumaça pronta pra arder e logo cegar os meus olhos cansados, medrosos, reclusos. Isso não é o fim. Talvez seja o meu fim, o fim da desgraça de ser que vejo em mim diariamente, que repulso em meu reflexo, que da maneira mais hipócrita, eu finjo aceitar, gostar, me forço a amar. Mas eu sei que nada disso tudo vai além de uma mentira. Não existe nenhum horizonte colorido à minha espera, nenhuma carruagem, nenhum final feliz para esse conto maldito: eu aceito a maldição. A maldição de quem eu sou, sempre fui, jamais poderei deixar de ser. Eu me vejo, vejo o sujo, o sórdido, a pior e mais honesta parte de mim, e essa é a única que eu poderia algum dia amar. Não sei amar o belo, o puro e seguro, eu amo a morbidez que já cansei de esconder em mim. Eu sou isso, se tu ou qualquer alguém está disposto a amar, que venha, que possua, que agarre com qualquer força que possua. Caso contrário, poupe suas mentiras, seus embelezamentos de sempre. Eu posso, quero e amo estar aqui sozinha no meu canto, no meu esconderijo das piores coisas que podem existir em mim. Aqui não existe amor, só dor do ontem, desesperança com o amanhã e a mais pura frieza, naturalista com quem eu sou. Eu sou a desgraça que se recusa a acreditar nessa babaquice de amor. Amor é para quem ainda vê algo dos velhos tempos, quem acredita naquilo que já se foi há tanto tempo. Eu não. Estou aqui, com toda podridão e desgarramento de qualquer beleza a qual um dia fui tola o suficiente para acreditar. Estar só é uma dádiva, essa é a verdade. Só assim posso dizer todas as verdades que ficam presas na minha garganta dia após dia dia: eu não quero essa sua vida, vida minha, vida deles. Eu quero nada além da aceitação do que sou, um lixo largado na estrada pronto para se arrastar pro próximo lar, próxima mentira doce que me faça ir em frente por só mais um dia, um só que for, antes desse temido fim. Está tudo bem. O fim já veio há muito tempo e eu o abracei, agarrei e jamais o deixarei ir. Eu vivo no fim, nas suas doçuras e dores, infinitas dores prontas para me fisgar só mais uma vez.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 20/03/2014
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