Tristeza
A vida segue seu curso, pensamos que vivemos mas é o tempo que vive através de nós.
Batalhamos, lutamos, sofremos choramos, sonhamos... enquanto isso o tempo passa e faz história através de nós.
Através de nossas lembranças, sonhos, lágrimas, risos, velhas fotografias. E nós? Terminamos sós.
Completamente sós. Cercados de pessoas amadas, pequeninas criaturas que apesar de amarmos loucamente não nos pertençam e nem teríamos ânimo para mantê-las. Precisamos nos manter longe, apesar de querermos ansiosamente nos apoderarmos delas. Nos agarrarmos as elas, a fim de proteger-lhes. Proteger de que? Pergunto-me. Proteger de sonhar e se frustrarem, proteger dos perigos da alma. Dizer-lhes que não há nada lá no final. Mas será que não há nada? Ou fui eu que não soube viver? Ou será que o viver é isso? Sinto-me triste, tremendamente triste.
O dia está cinzento, quente sem sol com vento uivando nas folhas. O verão se foi e com ele o burburinho das crianças, o choro, a birra, a exigência de atenção. Uma atenção que não tenho mais ânimo para corresponder. Tento disfarçar, mas elas percebem. Percebem que vovó está sempre cansada, preguiçosa, sonolenta. Não me lembro das brincadeira, nem das velhas canções de minha infância. Ou as vezes até me lembro, mas perderam a graça. Não pareciam tão curtas, com letras tão sem sentido. Costumavam ser divertidas. Estou ficando velha.
As crianças se foram... acordei de manhã com dia todo pela frente... o dia todo pela frente, o dia todo pela frente...
...Mas, para fazer o que com ele mesmo? Sim, claro... reorganizar a casa, botar os objetos nos seus lugares, afinal, agora não tem mais a pessoinha que os tira e os quebra, ela se foi, com suas mãozinhas gorduchas e curiosas. Posso voltar meu vaso para a mesinha, e enchê-lo com água e colocar belas rosas em botão... mas para que mesmo? Há sim, para que eles quando me visitarem se alegrem com a minha bela casa.
A primeira impressão é a que importa, tento me consolar, mas o certo é que é tudo tão inútil.
Estou tão cansada. Cansada pelo simples fato de constatar que o tenho não preciso, e o que preciso não posso ter, não devo ter... quem inventou as regras? O que se pretendia?
Qual o real sentido de tudo?
O dia está cinzento, quente, sem sol com o vento uivando nas folhas... uma pessoa solitária caminha devagar na praia quase deserta. O mar está feio, cinza como o dia. Pela primeira vez o silêncio me incomoda, mas o que me tortura a alma é que se o silêncio me incomoda o barulho me atormenta. Então concluo: sou eu. Eu estou sombria. Meus amados estão felizes. Tomara. se tem uma coisa que me favorece o coração é pensar que estão felizes.
,Porque estou tão triste? Não sei... não há motivos. Podem ser os hormônios, pode ser a consciência das coisas. Pode ser pela constatação de fatos. Pode ser efeito retardado de traumas antigos, pode ser por velhas recordações, por querer reviver algo que não voltará mais . Não tenho motivos palpáveis para estar triste. Talvez seja a gripe. Ou o cansaço... o sono... Quero -me de volta. Me perdi de mim. Sumi como fumaça, como fumaça rendada.
Me esvaí toda, como areia fina nas mãos abertas.