CRESCER É PERIGOSO?
Crescer é perigoso. Eu sei disso. Estava no manual de instruções do meu carro de controle remoto. Mas eu nem sabia ler direito. Apenas brinquei como se não houvesse amanhã.
Não fui eu que escolhi crescer. Foi minha mãe. Ela sempre dizia que meu nome ficaria mais bonito com a palavra "doutor" na frente. Eu tentei dizer a ela que não queria. Mas então eu cresci, e minha voz se fez incompreensível.
É claro que crescer é perigoso. Diga isso aos parques e praças vazios, que observam o vento levando e trazendo folhas e poeiras. Diga isso ao vendedor de pipoca, que alimenta os pombos e conta histórias bonitas sobre pequenos anjos que corriam e pulavam, em vez de voar.
Passo inúmeras vezes na frente do espelho e não me conheço. Maldita barba que não pára de crescer. Maldita olheira que me fala todos os dias que preciso voltar a dormir direito. Saudade do tempo em que dormir era minha única obrigação.
Ainda não conheço aquela menina. Lembro de um vestido azul bordado. Um laço na cabeça. Um sapato branco. Bochechas rosas. Sorriso largo. Meu coração disparado. E eu só querendo ir na padaria mais uma vez para ter a chance de ver você no quintal brincando. Encostar-me no portão pedindo para você olhar para mim. Hoje eu passei de novo por lá e vejo dois meninos correndo de um terceiro. E no canto, o mesmo vestido azul sendo sujo de lama por uma menininha que parece muito com sua ingenuidade. Uma mulher traz roupas ao varal e, de repente, ao me olhar, vejo novamente aquele sorriso largo, talvez me pedindo desculpas por não ter ido até o portão me ver. Talvez me perguntando porque eu não tiro essa barba.
Crescer é perigoso. Susurro ao ouvido do mais valente soldado que já vi. Sua liderança era invejável. Sua bravura, incomparável. Quantas guerras eu o vi ganhando. Quantos monstros eu o vi matando. Quantos vilões caíram aos seus pés. Meu soldado jamais tinha me abandonado. E veja o que fiz a ele? Aprisionei numa caixa, junto com seu poderoso exército. E agora, depois de anos, vejo que lhe falta o semblante de bravura em seu rosto, junto com a perna direita, que acredito que o cachorro a enterrou no quintal. Meu bravo soldado, eu nunca quis lhe deixar aí, mas nas minhas novas batalhas, eu precisei enfrenta-las sozinho. Mas confesso que queria muito que você estivesse ao meu lado.
Crescer é perigoso. Era o título de um livro que há muito tempo li. Sobre um jovem com problemas e divergências de um adolescente normal. Eu sempre quis ter aquela vida. Meu sonho era ser como ele. Ter seus sonhos. Ter seus problemas. Ter seus desamores. Hoje realizei meu sonho, e vejo o tamanho da besteira que eu desejei àquela estrela cadente. Se pelo menos eu soubesse que aquilo não era uma estrela.
Meu sonho não era crescer. Era ser feliz. Era ser um herói. Era estar onde os grandes estão. E vejo que minha vida era boa se eu voltasse no tempo. Em troca de alguma felicidade, a vida cobra preços caros, a juros pequenos. Sinto que minha barba ainda não quer dizer que estou sábio, e nem maduro. Ela só mostra que cresci. Pensando bem, é bem mais do que isso. Ela me mostra que ainda posso correr atrás do meu sonho de ser herói, com a diferença que com esta barba eu tenho bem mais chances do que quando na minha cara só existia o sujo da terra. Crescer não é exatamente perigoso. Perigoso é não correr atrás da felicidade. Pois quando corremos pela ponte que liga a criança ao adulto, temos todas as responsabilidades e oportunidades que um adulto tem, afinal ele só existe para isso. Mas também com a alegria e os risos que só uma criança é capaz de produzir, pois um adulto jamais deixará de ser aquela boba e inocente criança. Ele saberá dizer aos seus filhos que não é bem assim o que dizem os desavisados ao lamentarem que crescer é perigoso. Ele saberá da verdade. Ele será feliz.