Sobre o eterno retorno (Nietzsche)
Segue abaixo o aforismo original do autor e em seguida minhas considerações sobre o mesmo.
"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"
O eterno retorno de Nietzsche pode estar relacionado à fatalidade de que todos nós seres humanos enfrentamos diante de alguma escolha. A escolha em si pode estar relacionada, neste contexto, com a ideia posteriormente trazida por Sartre sobre a angústia de liberdade, na qual o ser sofre pelo luto de uma das escolhas feitas, já que não pode viver/ser ambas. Já com a angústia de finitude trazida por Heidegger o ser se depara com o inevitável, ou seja, com a morte, sendo ela simbólica ou propriamente dita e, devido a isso, o ser se ocupa a todo instante preenchendo esse vazio existencial. Assim sendo, o demônio que surge no aforismo é a consciência do ser carregada de valores, morais e éticas que foram lhe impostas desde o momento de seu nascimento e que agora agem junto com o ser como um todo e permite que a escolha seja feita enfim. Quando Nietzsche se refere à ampulheta da existência e sobre ela ser virada outra e mais outra vez, ele sugere que o aqui e agora foi feito e não pode mais ser desfeito, fazendo do ser eterno prisioneiro de sua ação. Eis que então surge a ideia do eterno retorno e com ela a pergunta que nos assombra a cada escolha “quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?” e, com a resposta dada, está feito o ganho e a conseguinte perda e, por isso mesmo, o fatal peso será vivido eternamente, trazendo ainda a ideia de um ser existencial e que deve assumir suas respostas diante dos fatos que se lhe apresentam. Aqui o ser não está apenas como um expectador dos fenômenos e dos fatos, mas está agindo diretamente sobre ele e sofrerá, inevitavelmente, as consequências advindas de tal. Quando o autor nos diz sobre o eterno retorno, existe ainda a questão que muitos de nós tentamos fugir, a saber, a sinceridade consigo mesmo principalmente. O ser foge de se encarar e culpa o externo por seus infortúnios. O ser teme o diálogo para consigo mesmo. E quando diz sobre a solidão, fica evidente que a escolha é diretamente relacionada ao ser que decide, afastando assim os outros sobre sua própria decisão, tarefa árdua para aqueles que agem com má fé e que preferem culpar Deus e o mundo pelos erros cometidos por si próprio. Nietzsche também brinca com as divindades Deus e Demônio talvez com a intenção de fazer uma crítica à Igreja, como lhe é habitual, ou trazendo o dúbio das respostas diante da escolha, enfim, a boa e a má escolha que poderá ser assim avaliada apenas e somente após tê-la feito.