Pixo.

Ando tão cansada... Me encontro debruçada em qualquer janela, vendo a vida passar. Vendo as pessoas passarem, e do meu ponto de vista todos andam aos avessos. Correm e no caminho atiram seus lixos na minha cara esfolada no sol do meio dia.

Liberdade, é o que eles gritam. Você está livre, até que a hora do almoço termine. Passe seu cartão de presença. Tome o passe, vá ao ponto. Passe reto, não olhe na minha cara. E, mais uma vez, passo do ponto. Grito de mais, ou me calo de mais. E assim como as palavras que guardo dentro de mim me pesam, cada palavra que digo pesam na mochila das minhas costas que me obrigam a carregar. Ficar ou ir embora, resistir ou desistir, ambos me esgotam, me esfolam... E não há eu que reste disso tudo. Cada parte de mim vai sendo riscada, arrancada, roubada, pixada.. E o pixo que eu grito, é calado, é reprimido. Pixam minha casa, meus peitos, e quando os peito. Pixam meu nome, minha classe, a minha cor, a minha dor, e a minha cara. Pixam o que eu gosto, pixam a minha tribo, minha cultura, pixam o que me faz feliz, o meu ódio e meu amor. E não me resta nada, se não um enorme, e cansado, saco de lixo pixado, jogado no braço de uma janela qualquer, a observar quem, ou o que, passa. Mas nada passa. Vão de um lado pro outro, você desvia, mas eles sempre voltam. Pra rir da minha cara cansada. E eu choro do meu riso forçado, e desisto no meio do discurso, porque minhas costas já não aguentam mais carregar à todo canto, em toda maldita esquina onde se cruzam os interesses, um saco cheio de palavras e sonhos dos quais ninguém se importa. Canso de suportar o peso das minhas palavras nas costas, e guardo-as dentro de mim. E explodo. Viro grito, viro demência, viro poeira estelar. Viro, me reviro... E viro poesia. E viro pixo marginal. Meu rosto muta-se em ofensa que diz: se pixam minha cara todos os dias, sobre o decote que uso ou não uso, sobre o meu desuso, o meu descaso, a minha inutilidade... Se pixam minha cara todos os dias, e me fazem sentir pixo, uma ofensa qualquer que deve ser apagada, porque não devo me tornar pixo nas grades que me oprimem e me matam todos os dias? Me viro, e mais uma vez meu corpo cansado é pixo.

Pamella R
Enviado por Pamella R em 02/02/2014
Código do texto: T4674654
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.