Resposta a Raferty 02 - A busca por uma felicidade
Não concordo de todo. O homem é suas circunstancias, descobriu Ortega y Gasset. Me perdoe, mas é puro simplismo achar que encontraremos a fórmula da felicidade. Eu diria até que, só um imbecil absoluto acreditaria de verdade nisso. O reconhecimento de nossas fraquesas, inerente a todos seres humanos, cria escrúpulos e éticas. Eu não jogaria pedras no comportamento de outro ser humano. Eu lhe estaria tolhindo seu livre arbítrio. É isso que entendo nestes textos iguais a este.
Enviado por Raferty em 31/08/2005 00:29
para o texto "Um incômodo profundo da alma."
Continuando o texto anterior com esse ótimo comentário, exaltado até, mas de grande importância à consolidação do meu ponto de vista. Recomendo ao leitor que leia meu comentário anterior (intitulado Resposta a Raferty 01). Para depois concluir nesse texto a idéia total.
Começo com uma citação sobre Ortega.
“Ortega, tal como Heidegger, vê no desenvolvimento das tecnologias e no acesso generalizado da população ao consumo, não uma fonte de progresso, mas como uma ameaça ao "Homem" e aos valores "perenes". Em nome deste combate (aristocrático) à "massificação" e à "desumanização da arte" acaba por adoptar uma atitude cúmplice com as ditaduras que se apregoavam justamente defensoras dos valores tradicionais.”
(http://afilosofia.no.sapo.pt/10Ortega.htm)
Em minha análise no texto "Novo, novíssimo e a expectativa do futuramente vindo." , , qual você também fez um comentário, esse conceito de instrumentalização da cultura bate certo com os preceitos filosóficos de Ortega. Creio que deixei bem claro minha posição ante ao consumismo desenfreado e a essa desvalorização e se não a desconstrução de nossas concepções em prol de nos adaptar a essa vida de consumismos. De expectativas, desejos, esperanças, cartões de crédito. Atualmente existem mais pessoas que entendem de prazo, crédito, financiamento, parcelas, direitos do consumidor do que existem pessoas inteiradas dos problemas da crise da história e da arte, da desconstrução dos valores sociais pelo consumismo e demais temas relevantes à vida pratica das pessoas. Faltariam filósofos que falassem mais próximo (em seu discurso e linguajar) às massas?
Em momento algum em meu texto digo, ou deixo implícito, que existe uma fórmula da felicidade, nem momentânea nem eterna. Não digo em momento algum, nem crio essa idéia, de que a felicidade existe como um estado alcançável de regozijo eterno.
A felicidade, como disse no outro texto, e aqui tenho a chance de falar abertamente, pois há chance de um desenvolvimento textual, é a meta da vida de qualquer pessoa. Não acredito que uma pessoa viva para ser infeliz e se tal pessoa existir, se ela dentro de seu mais profundo querer desejar se o mais infeliz possível e conseguir isso, esse alcance seria prazerosamente entristecente e se configuraria numa busca pela felicidade (mesmo que invertida) de qualquer jeito.
Sendo a felicidade ponto de partida principal para cada ser humano, tenho que levantar esse ponto (não devidamente provado, mas muito provável) de que as pessoas, em sua maioria, não são pessoas filosóficas. São pessoas práticas. Que agem por impulsos e tradições, automaticamente, evitando o ato de refletir e pensar no que fazem, no que vêem, no que presenciam.
Essa falta de reflexão as leva a adotarem procedimentos equivocados em direção da sua própria felicidade. Basta conversar com uma pessoa através do princípio tão amável de Aristóteles (só perguntando sobre suas respostas) que você verá contradições gigantescas entre o que as pessoas concluem em seu pensamento e o que fazem na prática.
Essa falta de pensamento as leva no caminho de uma felicidade passageira. Digamos que as leva a alegrias inconstantes. O que é determinantemente influenciado pelo nosso estilo de vida, corrido, ligeiro, sempre transformador em suas tecnologias. Temos que nos adaptar sempre para sobreviver. Faltando tempo para pensar.
Então temos a vida (o meio), a felicidade (o fim) e as metas (aqui variantes para cada pessoa). A meta surge como conformação do meio para se alcançar o fim. Nessa meta (a que utilizo é a meta da sabedoria verdadeira) que a maioria das pessoas cai na armadilha das alegrias inconstantes.
Veja bem que o fim felicidade através da meta sabedoria verdadeira implica em uma única verdade primária, a constante infelicidade. Pois se para alcançar a felicidade precisamos conhecer, saber, precisamos descobrir verdades aparentemente escondidas em nosso modo de ver, ser, viver e sentir a nossa vida. Esse conhecimento de nossa verdadeira natureza, a princípio é doloroso e inquietante.
O que digo é que a felicidade está em buscar constantemente ela mesma, através do conhecimento, já que nada mais pode trazer satisfação ao ser. A fé abdica nossa capacidade de conhecer, criticar, analisar, em prol de uma felicidade vindoura em outra vida. O que me é impensado aceitar. Demais caminhos para a felicidade, como o consumo, a busca de prazeres cada vez mais refinados e demais enganações dos sentidos se faz muito manipulada atualmente pela sociedade do consumo, se aliando as outras filosofias da felicidade imediata, e constante frustração.
Esse eterno trabalho de consciência, mesmo que trabalhando nas tristezas, nos dá o caminho para a satisfação própria duradoura e com isso ser capaz de aproveitar melhor cada momento, viver mais intensamente cada tristeza, saborear cada vez mais as alegrias, ser capaz de amar mais e preconceituar menos.
Espero ter-me feito ser entendido sobre nossa cultura no texto passado e agora esse entendimento vem embasar minha concepção dessa busca. Essa que eu luto com tanto afinco para desenvolver. Mas parece tão distante das pessoas alheias a essa meta da sabedoria verdadeira. Pessoas que são as primeiras a emitirem seus achismos e seus pensamentos ralos. Sendo altamente impulsivas e pouco conclusivas.
Não jogo pedras no comportamento de ninguém, só digo que se a pessoa se diz predisposta a querer ser feliz e o faz de modo a não ser de jeito algum há um grande contra-senso nessa atitude. Esse contra-senso que nem mesmo é combatido pela pessoa que o pratica.
E para terminar, o livre arbítrio deixa de ser tão imaculado assim quando somos manipulados a nível mental pela sociedade que estamos inseridos. No filme Nossa Música de Godard uma personagem (olha se eu não estiver enganado é nesse filme que se passa isso sim) que passa um tempo em um país do Leste Europeu diz que a principal diferença que ela vê nesse país em relação aos nossos é a falta total de propagandas. De outdoors, busdoors, buildingdoors, de panfletos, de paredes “encartazadas”, etc. Essa limpeza mental foi benéfica para se pensar, apreciar a paisagem.
Ninguém atualmente escolhe viver em uma cidade entupida de mensagens propagandísticas. Simplesmente nascem e aceitam essa condição pelo fato de não pensarem, não criticarem e se inserirem bem nesse consumismo.
Para isso relegando a possibilidade da felicidade através da luta da consciência contra as armas externas, que tentam induzir, sempre, o cidadão para tal ou outro caminho.
Não critico ninguém, critico sim a própria justificativa de cada um para ser como é e se ver tão infeliz mesmo tendo tudo para não o ser. Essa lacuna de pensamento que me é tão incompreendida, quando na verdade a pessoa não consegue a transpor e começar a lutar verdadeiramente pela sua própria felicidade.