Como seria a realidade sem mim?
Hoje me peguei pensando, assim do nada: “... a realidade não precisa de mim... a minha morte não tem importância nenhuma”. Uma vez li esse trecho em um poema, e hoje passou pelos meus pensamentos depois de muito tempo. Sabe, penso que é verdade. O sol que se despede continuará a cair no horizonte pintando meu quarto em tons alaranjados quando eu não mais estiver aqui. O seu brilho será o mesmo; e, talvez, do mesmo lugar que hoje eu observo a sua beleza, alguém, algum dia, estará observando e pensando o mesmo que eu: “O sol nunca é tão lindo quanto o momento em que se põe.”. Ele será o enorme e grandioso sol que da vida a vida, e calor para todos nós.
O vento que levanta meus cabelos e me faz fechar os olhos levantará o cabelo de outras e outros – a diferença, talvez, é que eles não sentirão o vento como eu. Eu o amo. Às vezes me irrito, pois me perco em meio aos meus muitos fios de cabelo, mas eu sorrio, eu sinto o vento tão leve como um intenso beijo.
O rapaz, aquele do sacolão, que sempre me dá bom dia ou boa tarde, continuará a dar “bons dias” e “boas tardes” a outras moças bonitas que por ali passam e passarão. Ele ainda será o gordinho do sacolão, que usa boné e espicha o cabelo, que fica ali parado me dando bom dia quando eu passo. Simpático. Sim, a vida dele não mudará, a rotina do sacolão também não.
As plantas que com as estações mudam continuarão a mudar. E as estações continuarão da mesma maneira. O tão chuvoso e quente verão, as folhas caídas e o friosinho do outono, o super frio maravilhoso do inverno e por fim as cores e os ventos da primavera. Tudo será impecavelmente lindo, quem sabe mais, quem sabe menos... Ninguém sabe. As pessoas não prestam muito a atenção nisso.
Os afetados serão os meus amigos e familiares, talvez os meus animais de estimação. Os meus tão poucos, porém tão excepcionais amigos sentirão a minha falta por um tempo, e depois eu serei apenas algumas lembranças, serei alguns sentimentos, serei alguns sussurros: “ei, esteja onde estiver, eu sinto a sua falta...”. A rotina deles, a realidade deles sem mim se adaptará não com muita dificuldade, todos tem a sua vida e por isso precisam seguir. Os meus pais, esses sim terão a realidade extremamente mudada por minha partida. Pra eles, a minha morte terá uma grande importância, mas acredito que nem mesmo por isso a realidade deles deixará de existir, senão a minha. Não pretendo deixar este mundo antes que eles, mas quem sabe... Ninguém sabe.
A realidade em si permanecerá a mesma. Portanto, ela não precisa tanto assim de mim, mas eu preciso dela. Para sentir-me cheia e completa, preciso do que é real, nem que seja real apenas dentro de mim, pois eu sinto, e se eu sinto, mesmo que não seja tocável, sobretudo, será real por eu estar somente sentindo. Preciso dela para existir, e sem mim ela existirá da mesma maneira, apenas não para mim. Na verdade, a minha morte tem alguma importância sim, não para a realidade do mundo exterior, essa “existência efetiva”, indubitável; mas, para aqueles que fazem parte da minha vida e eu da deles, as coisas serão diferentes, as coisas mudarão, talvez muito, talvez pouco, não importa, com certeza não serão as mesmas. Será a minha vida, mas só que sem mim. Entende? A minha casa, os meus amigos, meus pais e meu irmão, meus animais, minha cama, meus ursos, as minhas cartas... eles estarão vivendo a minha realidade – bom, a que costumava ser – e eu fico aqui pensando: Como seria a minha vida sem mim? Será que aqueles que costumavam estar ao meu redor estariam felizes? Aquelas cartas que recebi e que guardei em uma caixa, alguém as leu? E aquelas que escrevi mas nunca mandei, será que se perderam? Ou alguém as encontrou e resolveu entregar? Tipo como fazia Amélie Poulain. Tantas perguntas. Só espero que esse fato não se consume. Prefiro que as minhas vidas se vão antes para eu não ter que imaginar como seria viver sem isso: a minha e tão somente minha realidade. Bom, vou-me indo, a minha realidade precisa de mim...