Herdeira do Tempo

Se eu ouso fechar os olhos, tudo vem à tona. Não haverá espaço, ar, sanidade alguma para me salvar do redemoinho liberto por uma simples saudade, uma mísera e traiçoeira nostalgia que virá. Se eu fechá-los, sentirei todos aqueles gostos, os toques, ouvirei os risos, sentirei os perfumes de tantos outros dias. O sol que entra pela minha janela hoje já não é mais o mesmo, disso eu sei. Não ilumina a mesma alma, não esquenta o mesmo corpo, sua luz é fria, é cortante, é cruel. Ou provavelmente eu que enfraqueci, é claro. Antes, sem tentar ser ninguém, sem preocupar-me com o caminho e seus passos, fui a lugares incríveis. Simples, todos eles, ordinários e banais, sem magia ou fagulha alguma para me encantar, mas por alguma razão, o fizeram. Me enlouquecem de saudade, de vontade, de negação do hoje seco, dolorido e infinito para mim. O hoje não deixará saudades, com certeza; apenas me lava, me testa, me arrasta para ver se quero suficiente ver o amanhã, abrir os olhos para um possível horizonte longe daqui. Horizonte o qual já não acredito mais, não quero e sei que não verei. O agora não tem fim, é perpétuo em seu sabor, seu odor, sua textura, eu já aceitei. Nada irá mudar, nenhum desejo voltará, eu não tenho mais nada em mim mesma para explorar - a juventude da alma já se foi, porém não deixou a tal falada sabedoria. Deixou a dor, deixou o sono e a indiferença e, é claro, deixou a imagem do passado. Nem tão distante ele é, mas parece outra vida, outro cenário para mim, mesmo sabendo que ele nada mais é do que a eterna lembrança de felicidade espontânea, do caminho para os sonhos que, por si só, realizou todos os possíveis dentro de mim. Eu sonhei demais e sem saber, vivi. Agora só falta ir embora, só falta terminar o ciclo de mais uma vida medíocre que perambula sem rumo por aí.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 16/12/2013
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