Poesia e matemática
Filosofia: De um tempo em que o conhecimento era passado por mestres e "ciência" não dissociava-se de "arte".
Nunca entendi a áspera discórdia imposta entre Poesia e Matemática.
Há quem declare guerras para firmar-se em um foco e exortar enojado o extremo oposto sem se dar o trabalho de cogitar qualquer hipótese de ambivalência.
-"É incoerente"- afirmará alguém tomado por um pensamento linear- "Dois focos sob a mesma perspectiva, isso não pode ser ciência".
É de se concordar que, em diversos âmbitos, os moldes do pensamento linear nos satisfazem os neurônios com explicações ricas de uma lógica clara e brilhante que traduzimos em recorrentes modelos matemáticos. Mas quando se trata do homem, o pensamento lógico simplesmente nos "aperta o peito". Com o ser humano, os paradigmas muitas vezes se mostram além do formato de pensar meramente linear.
Então existe outras formas de pensar? Certamente.
Poderia-se discordar por implicação que tanto nosso pensar quanto nossa memória estão sempre atreladas a temporalidade. Com isso quero dizer que trazemos memórias apenas uma por vez à consciência, assim como também trazemos apenas um pensamento por vez à consciência. Então como dizer que se conceba algo que não é linear?
Um bom exemplo de pensamento não-linear é quando falamos sobre a criatividade. Ela é um dos recursos mais admiráveis e pertencente apenas ao ser humano. A criatividade é o impulso que força a quebra do "foco". Quando nos esforçamos a ser criativos usamos um formato de pensamentos simultâneos onde somos obrigados a desconsiderar a linearidade. Os pensamentos se acumulam simultaneamente em nossa mente através de conexões arbitrárias (desfocados de consciência). Ao nos condicionarmos uma quantidade satisfatória de pensamentos, combinamos as possibilidades e as organizamos de uma forma a nós agradável e nos conscientizamos dele definindo então um conglomerado de pensamentos como um pensamento híbrido. Acontece que sempre que tivermos vontade de expressar essa ideia (através da fala ou de uma ação) voltaremos a condição primordial de ter que organizar a ideia no formato linear sabendo que se quisermos expressá-la é necessário que "contenha tempo" -assim temos que falar uma palavra por vez, executar um movimento por vez, etc, condicionado ao tempo.
Assim, uma dúvida natural agora seria "mas existe como obter uma forma de expressar-se tal como um "pensar plural""?
ou "Qual a forma de expressar que contempla várias idéias em apenas uma expressão?"
E para essa questão é que nós tomamos os partidos, cedemos aos "focos" que nos é tão coerente. Há quem diga que coerente é a "matemática", há quem diga coerente é a "poesia", há quem diga qualquer outra coisa -seja lá o que for aquilo que lhe é admirável.
Como diria Gilberto Gil, "Ao poeta cabe fazer Com que na lata venha caber O incabível", em outras " palavras":
"nxЄR^(n)|-∞<x<+∞".
Não importa qual formato você é intolerante. Devemos ter em nós que o expressar-se em si já é, por si só, belo.
Seja transformar o verso de Gilberto Gil em palavras ou definir um intervalo finito pra expressão matemática, iremos perder muito da ideia. É o que acontece ao nos expressarmos linearmente e, sempre, julgar um "pensar plural" nos moldes lineares é como "aplicar regressão linear em um sistema não linear"; ou "como traduzir metáforas" ou mais grave ainda: é como definir pessoas.
Eis que insisto: Quando se trata de pessoas não há focos: "Somos estatísticas arbitrárias; somos plurivalentes;" Seríamos Deuses se inventássemos o espaço que une de forma harmônica poesia e matemática. Talvez mais, se descobríssemos a forma de expressar-se diretamente as idéias com clareza em uma linguagem universal ainda que submetido ao precário formato linear -obrigatório para expressarmo-nos - condicionado ao tempo.
Acontece que não nos coube inventá-la. Não nos coube descobri-la. Desde o primeiro homem já tínhamos encrustado em nós o mecanismo para esse mistério. Dentre vários nomes que demos a isso, mantém-se até hoje. Com sua beleza impecável e precisão matemática invejável, ela, que acalma nosso peito que é diariamente fragmentado devido as toscas simplificações latentes de nossa ainda pobre habilidade social: Ela, a Arte.