Sobre a Morte

Já foi dito que a morte é a porta para longa vida; já foi dito que a morte é o nascimento em uma Terra sem Mal; já foi dito que a morte é um caminho para o renascimento em uma nova vida; já foi dito que a morte é a entrada para um estado superior de existência. E nada disso realmente interessa hoje. Porque tudo isso fala daquilo que vem após a morte, e não daquilo é a morte. A morte é o fim de uma jornada; mesmo que haja outra começando, aqueles que andaram a primeira jornada com aquele que parte não terão mais sua companhia. Não se permita enganar, não há como ter alegria na morte. A espiritualidade nunca irá retirar a tristeza da separação daquele que parte; ela traz a crença de que há algo mais para ele, e a crença traz conforto, mas não tira a tristeza. Onde quer que aquele que parte esteja, esteja bem e feliz ou não, ele continuará a ser uma ausência para os que ficam. Mas não é o objetivo falar do que ocorre além aqui; se a morte é o início da longa vida, se a morte é o nascimento em uma nova existência, então que esses assuntos sejam tratados no momento adequado. Para os que ficam, morte é um final, uma separação. Se a morte é um renascimento para os que partem, ela é apenas a morte para os que ficam.

Uma frase me veio à mente, dita por um romano ficcional; não tenho a menor ideia se ela foi dita por alguém na vida real, mas ela ecoa uma verdade incontestável: “O que fazemos na vida ecoa pela eternidade!” Na obra de ficção em que está inserida ela é atribuída a um soldado romano, mas ecoa um pensamento que forma a base principal das sociedades “bárbaras”: a de que não morremos neste mundo enquanto formos lembrados por nossos feitos. Seremos lembrados por nossos filhos, nossos netos, alguns por nossos bisnetos; seremos lembrados por nossos amigos, seremos lembrados por nossos vizinhos, seremos lembrados por nossos colegas, seremos lembrados por nossas famílias. Temos muitas pessoas que irão se lembrar de nossa passagem por aqui, e o número delas indica a quantidade de pessoas ao qual a nossa passagem tocou de forma a fazer uma diferença significativa. Mas o número significa menos do que a forma como somos lembrados; do que adianta ser lembrado por muitos como um vilão ou uma sátira? Não traria mais orgulho ser lembrado por poucos (os seus) como um homem digno? Um cronista romano disse que os celtas da Ibéria acreditavam que as canções dos Bardos guiariam as almas dos seus mortos ao Paraíso. Para quem você se tornou importante? Que ergueria um brinde à sua homenagem? Alguém lhe julga digno de uma canção?

Os celtas guardavam grandes honras aos seus falecidos, e eles não deveriam ser esquecidos facilmente. Suas linhagens familiares eram lembradas na medida do possível pelo povo, e os nomes de ancestrais importantes tornaram-se nomes de clãs e famílias. Seus funerais enfatizavam a perda, e não havia porque esconder a dor da separação; as mulheres entoando os caoineadha, o velar do corpo mantendo as tochas acesas por três dias, a lembrança da vida daquele que partia. Eles nos ensinam que é importante a forma como nos lembramos do falecido, do que ele fez, e de como ele tocou nossas vidas. Que obra foi construída por aqueles que a muitos tocaram! Mesmo que não seja perene, seu espírito será honrado pelo tempo que sua lembrança persistir. Os maiores líderes entre os celtas recebiam lendas, canções, poemas, tudo em sua homenagem. Ter uma vida cuja lembrança será perene, cuja obra será lembrada mesmo muito após nossa partida é um objetivo para poucos, mas ainda é um ideal a se lutar.

Nosso corpo é uma vestimenta temporária, pois os Druidas outrora ensinaram que nossas almas são imortais. Elas podem partir para uma existência em um novo lugar, elas podem renascer em uma nova forma, elas podem adquirir uma sabedoria que a leve a um estado diferente de consciência; são tantas as teorias sobre a alma daquele que parte! Mas a verdade sobre o que devemos fazer enquanto nessa terra é clara: nosso papel é lembrar. Lembrar do papel de cada um em nossas vidas, em nossas comunidades, na construção de nossa história. Reconhecer os méritos. Louvar aos que merecem. Só assim fazemos a honra devida aos que partem. Sua lembrança deve continuar conosco, pois eles nos encontram em épocas especiais, como Samhain. Por isso, homenageamos e continuaremos homenageando aos nossos Ancestrais. E que sejamos lembrados quando for a nossa vez de partir.

Publicado originalmente em barddkunvelin.wordpress.com

Wallace William
Enviado por Wallace William em 12/12/2013
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