Mundo total: novas e cândidas reflexões
Existem várias concepções de mundos múltiplos. A mais interessante delas talvez seja a que foi proposta por Hugh Everett para dar consistência à mecânica quântica, torná-la racional. Foi chamada a teoria dos muitos mundos.
De acordo com essa ideia, sem a qual, penso, a mecânica quântica não tem sentido, a cada momento nosso universo se desdobra em múltiplas realidades paralelas. Todas as possibilidades alternativas ocorrem, uma em cada mundo paralelo.
Séculos antes, Leibniz havia proposto a cândida concepção de que vivemos no melhor de todos os mundos possíveis. Sua conclusão se baseava em argumento teológico bastante simples decorrente das seguintes premissas:
Deus é onipotente.
Deus é infinitamente bom.
Sendo onipotente, Deus pode ter feito qualquer mundo que tenha desejado.
Por ser infinitamente bom, desejou fazer o melhor dos mundos.
Assim, concluiu Leibniz, vivemos no melhor de todos os mundos possíveis!
Uma crítica óbvia a essa conclusão nos ocorre na primeira topada posterior a ela: existem coisas ruins, existem os males; o mundo seria melhor se não existisse o mal.
Em uma primeira abordagem, o mundo pareceria melhor se lhe extirpassem todos os males. Sob outro ponto de vista, no entanto, isso apenas o empobreceria. Quando contemplado sob certo distanciamento, o mundo se assemelha a um imenso teatro. Abominamos o mal enquanto o estamos vivenciando, quando sofremos sua amargura. À distância, no entanto, podemos nos enternecer com as tristezas, perceber que elas também engrandecem o gigantesco espetáculo da vida. Obervado dessa maneira, o mundo se apresenta como um comovente e imenso drama do qual participamos e ao qual nos cabe contemplar extasiados. Visto assim, à distância, a supressão dos males apenas retiraria o colorido de sua dramaticidade, apenas empobreceria o mundo.
Extirpar todos os males da vida equivaleria a nos deixar vivendo uma confortável existência deitado sobre uma cama, sem nenhum percalço, nenhuma dor, mas nenhuma aventura. Por fim, seria uma vida confortável e vã. Não haveria a possibilidade de heroísmos, nunca haveria um herói, apenas o comodismo de uma existência módica sobre a cama.
Devemos forjar nossos corpos e mentes à maneira dos heróis, e do aço; são as mesmas chamas, que eventualmente nos ferem que propiciam o tempero da vida.
Agora consideremos a existência da tecnologia, e a possibilidade da matriz, como no filme “Matrix”. Essa nova consideração nos permite que os mundos alternativos não se excluam. Poderemos vivenciar cada um deles em um delírio cartesiano conduzido por um gênio, ou virtualmente, em um mundo computadorizado.
A soma de todos os universos seria o mundo total. Todos os mundos estão disponíveis a nós, todas as vivências.
Há uns 30 anos, temos computadores em nossas casas. Há coisa de cem passamos a ter luz elétrica e automóveis. Há 20.000 vivíamos como índios, há 100.000 estávamos inventando o fogo e a fala.
O tempo passa, e os anos passarão.
Passará 1, depois 10... depois cem, depois mil... um milhão de anos... e assim continuará...
Difícil imaginar limites para a tecnologia, mas não seria surpreendente se tentássemos recuperar cada uma das vivências humanas, assim como preservamos os sítios históricos ou os animais em extinção. Recuperaríamos todas as vivências de cada uma das vidas passadas, armazenando-as em um imenso arqivo virtual acessível. Cada vida humana constituiria assim uma complexa obra de arte passível de ser revivida, como em um teatro de imersão total. Cada sentimento humano seria recuperado, cada choro seria vivido uma infinidade de vezes, chorado por cada um de nós múltiplas vezes. Nesse mundo total eu teria todas as suas vivências, você teria todas as minhas. Em algum instante eu reviveria a sua vida, choraria suas tristezas, viveria suas alegrias. Você também faria o mesmo com todas as minhas vivências, poderíamos vivenciar todas as vidas humanas, no mais completo e realístico teatro imaginável. Caso insatisfeitos, poderíamos ainda viver as vidas dos animais, e qualquer outra sensibilidade porventura existente. Transformado em um só, todos os múltiplos mundos retornariam a uma mesma unidade, todas as vivências a uma única. Comporíamos, todos nós, uma única vivência múltipla, uma única existência em comunhão, um único ser atualizado sucessivamente em cada um. Seria a vivência total, o mundo total: o melhor dos mundos.