Medo de amar

É tão dificil, é tão duro, há algo que me pressiona, que me impõe, me obriga a fazer certas coisas. Estou imerso em uma solidão enigmática, à dependência de um sentimento bom e tão exigente. Não quero machucá- la, ver sua alma se despedaçar, matar o brilho dos olhos dela, fazendo- os espelhar a minha própria morte.

A minha tristeza é confusa, talvez não seja isso, é uma inquietação visceral, algo que vai além do presente, é uma insuficiência de atitude, é como não poder se mover, exatamente à guisa de meus pesadelos.

Caminhava eu pelos corredores daquele condomínio, prédios mal acabados, com resíduos de limo, espalhados pelas suas paredes rachadas, os corredores com piso de um cimento obscurecido pela sujeira, e pelo desgaste do tempo. Estava ali, para reencontrar uma velha e grande pessoa, alguém que eu amava muito, minha avó, que há anos não a via, aquela Senhora doce e forte, de valores maravilhosos e com uma bondade pura, os pensamentos viajavam para um passado distante, e a saudade e a ansiedade me dominavam. Aos passos nervosos, notei um sujeito caminhando ao meu encalço, e ao olhar para trás, vi seus olhos vermelhos, e parados, de um vazio indizível, amedrontador. Usava roupas desbotadas e sujas, mas parecia está sabendo exatamente onde estava pisando e indo, por um momento um vento soprou no meu interior, e era frio, congelante, e algo me dizia, que deveria entrar no apartamento de minha velha avó antes deste sujeito se aproximar.

Ao caminhar pelo corredor central do Condomínio, avistei a alguns metros à esquerda o corredor que iria dar para a residência que eu procurava, e o sujeito com barba por fazer continuava a caminhar atrás de mim. Ao dobrar para esquerda me deparei logo no primeiro andar ao meu objetivo, e batendo na porta do apartamento de minha avó, na minha mente eu implorava para entrar, e com o mesmo tom desesperado, relutava para ver o sujeito cruzar o corredor que levava ao local onde eu estava, porém, o inefável homem, se envergou na direção de onde me encontrava, e então acelerei minhas batidas na porta, mas foi em vão, pois aquele sujeito passou por mim se encaminhando para o andar superior. Ao passar, senti novamente aquele vento frio, que toca os ossos, contudo este, era mais forte, e em um dado momento pensei observar nos calcanhares daquele sujeito uma senhora de cabelos brancos, com um vestido branco e estampado, tudo em fração de segundos, e não foi difícil me convencer que era apenas imaginação, em seguida, a porta do apartamento de minha avó se abre, e quase que sobressaltado pela primeira imagem da pessoa que me recebeu, não pude me conter, as chuvas ou tempestades de emoções e lembranças me invadiram. O que vi, fez tremer meus lábios, meu músculos se enrijeceram, e meus olhos cegaram por alguns instantes, e flutuei em uma camada desconhecida, um outro plano. A imagem desfigurada que me recebeu, possuía uma magreza aflitiva, seus olhos saltavam, e a boca ressecada, não me deixava dúvida, do fim de vida, e por um momento senti uma saudade pungente, algo que você não pode recuperar, ou viver de novo, e pensava, “Minha avó, meu Deus”, mas não era ela, após o impacto inicial, percebi que se tratava de minha tia Socorro, que também não tinha contato a bastante tempo.

Abracei-a e beijei-a, e tentei não demonstrar o que minha alma sentia, ela estava deitada em uma rede, e percebi a alegria e a dor estampada nos olhos cansados e trêmulos de minha tia, sentimentos opostos, mas bem justificados, por poder ainda me ver, mas saber que brevemente não estaria entre os seus. Naquela pequena sala de estar, meu tio Carlinho, que possuía uma deficiência no lado esquerdo do corpo, resultante de um acidente que teve na infância, ao cair da bicicleta, o que deixava seu andar trôpego, ainda mais, por possuir uma barriga volumosa, fazia companhia a minha frágil tia, e diante daquela situação, o seu problema era o coadjuvante do momento. O tempo corrói, mais do que ele, o tempo perdido, o presente que não volta mais, as lembranças, o passado. E eu me perguntava, “Minha avó, onde está minha avó?”, e aquela resposta não seria respondida tão simplesmente, e pude sentir o odor da morte naquele aposento.

O ar daquela sala, parecia se extinguir, com tamanho choque e incertezas, tudo caía, desabava, e de repente eu me via com 90 anos, infeliz, e saudosista, querendo voltar 70 anos e corrigir todos os meus erros, reconstruir meu caminho, interferir no destino, e evitar o sofrimento alheio e próprio. Minha tia sorria, quase que para disfarçar, ou velar seu real pesar. Os segundos que se transformaram em horas, daquele momento, não seriam tão eternos na minha lembrança quanto o que estaria por vim, logo em seguida após minha entrada, palavras proferidas com tanta maldade, uma autoridade usurpadora, adornada por uma voz terrível e intrigante.

Uma senhora completamente desconhecida a minha memória, invade os aposentos de minha avó, divagando, com seu olhar duro e irascível apontado para mim, com aquela voz, arrepiantemente orientada por algo maior, macabro. Gritava em tom irônico, como uma vitoriosa bradava:

- Eu não disse!!! Eu te avisei!!!- Gargalhava. Eu não te falei que ele ia destruir tua casa?!!!!!!- Minha vontade era de expulsar aquela louca, a qual jamais havia visto na vida, mas o medo se apoderou de mim, me congelou, simplesmente me congelou, e permaneci mudo, preso e estático como uma estátua, sem direito a respostas, e nem força para reação.

Meu tio, mesmo com toda a dificuldade de sua deficiência física, saltou do sofá cor de vinho, e tentava com uma de suas mãos calar a Senhora de face enrugada e olhos azuis, dizia chorando, “Cale- se Demônio!!!, Saia daqui!!!Desgraçada!!!!!”, e tentava empurrá- la, e continuava eu, imóvel, observando, preso por um sentimento indescritível, sem saber o que fazer, como uma criança em pânico, em estado de choque.

- Você fez isso, acabou com a tua casa!!!Ele acabou com a tua casa, eu te avisei!!!!!!- Apontava para mim, antes de escapulir para fora do apartamento.

Após isso, me senti fincado por uma lâmina, profundamente, e sem poder me livrar dela, sem forças e aterrorizado, profundamente aterrorizado...

Héden Barros
Enviado por Héden Barros em 20/04/2007
Reeditado em 22/04/2007
Código do texto: T457449