A caverna a sua saída ao mundo e pela ampliação de sua visão...

"Das utopias

Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas!"

Mário Quintana, Espelho Mágico

"E não se diga que, se sou professor de biologia, não posso me alongar em considerações outras, que devo apenas ensinar biologia, como se o fenômeno vital pudesse ser compreendido fora da trama histórico-social, cultural e política. Como se a vida, a pura vida, pudesse ser vivida de maneira igual em todas as suas dimensões na favela, no cortiço ou numa zona feliz dos “Jardins” de São Paulo. Se sou professor de biologia, obviamente, devo ensinar biologia, mas ao fazê-lo, não posso secioná-la daquela trama. "(FREIRE, 1992, p. 78-79)

Na perspectiva teórica da Análise de Discurso, as imagens, assim como outros tipos de texto, produz sentidos que são compartilhados socialmente. Em um trabalho em que problematiza o uso de imagens no ensino de ciências, Silva, H.C. (2006), aponta que:

[...] importa destacar os seguintes aspectos: a leitura (interpretação) de imagens integra-se numa história que é maior do que nós, num processo do qual não somos a origem; uma imagem, ao ser lida, insere-se numa rede de imagens já vistas, já produzidas, que compõem a nossa cotidianidade, a nossa sensação de realidade diante do mundo. A leitura (interpretação) de imagens não depende apenas do contexto imediato da relação entre leitor e imagem: para lê-la o leitor se envolve num processo de leitura (interpretação) que já está iniciado. (p.7)

No entanto,

[...]sociedade brasileira ainda mantém uma visão estereotipada do cientista, ou seja, vê a ciência e a tecnologia como atividades masculinas. Há uma implicação direta disso com a imagem positivista de ciência e de tecnologia e também de como o gênero não fez parte das construções históricas disponíveis acerca do conhecimento científico e tecnológico. Em outras palavras, ao ser construído nas raízes da neutralidade, a ciência também se desvelou neutra em termos de gênero. (CABRAL, 2006, p 183).

Michinel e Burnham (2007), destacam que:

[...] é possível levantar evidências práticas sobre a organização das leituras em sala de aula, “mergulhando” a leitura “literal” (enquanto apreensão do documento, leitura inteligível, tradução) numa leitura interpretativa, isto é, desenvolvendo um espaço polêmico (MICHINEL et al., 2003; MICHINEL, 2001) em relação às maneiras de ler, que permita impulsionar incursões nos níveis de aprofundamento, buscando construir significação(ões) a partir do texto. (p.378).

Focando o olhar sobre a questão da linguagem científica presente nos textos, os autores apontam que:

O discurso científico constrói um real que é estranho para o aluno da posição que ele ocupa. Não há continuidade entre a linguagem científica e a comum. Os alunos parecem dialogar com seus próprios modelos e concepções, produzindo-se na leitura uma diferenciação entre o lugar epistemológico do aluno e o da física, no sentido dele tomar consciência de que há outro modo de ver a realidade física, de outro “ponto de vista”. A percepção dessa diferença é um aspecto que consideramos fundamental num processo de aproximação crescente do estudante em

relação à cultura científica. (ALMEIDA, SILVA e MICHINEL, 2001p.07).

No hipertexto está pressuposto seu não fechamento, sua relação intertextual com outros textos, promovendo conseqüentemente uma leitura não linear. Segundo Marcuschi (2001):

A leitura torna-se simultaneamente uma escritura, já que o autor não controla mais o fluxo da informação. O leitor determina não só a ordem da leitura, mas o conteúdo a ser lido. Embora o leitor do hipertexto não escreva o texto no sentido tradicional do termo, ele determina o formato da versão final de seu texto, que pode ser muito diversa daquela proposta pelo autor. Ao se mover livremente, navegando por uma rede de textos, o leitor procede a um descentramento do autor, fazendo, de seus interesses de navegador, o fio organizador das escolhas e das ligações. (MARCUSCHI, 2001, p.96)

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De acordo com Giroux (1997) cultura e poder estão intimamente ligados, sendo esta: [...] arena de luta e contradições, e não existe uma cultura no sentido homogêneo. Pelo contrário existem culturas dominantes e subordinadas que expressam diferentes interesses e operam a partir de terrenos de poder diferentes e desiguais” (GIROUX, 1997, P.153).

A investigação sobre o funcionamento de diferentes textos (escritos, imagéticos, fílmicos) em aulas de ciências é parte de preocupações referentes à problematização da leitura empreendida em sala de aula e sua relação com a produção de sentidos por parte dos estudantes.

“... há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam pegados à página, não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar à outra margem, a outra margem é que importa. A não ser que esses tais rios não tenham duas margens, mas muitas, que cada pessoa que lê seja, ela, a sua própria margem, e que seja sua, a margem a que terá de chegar.”

José Saramago, A Caverna

Como referencial teórico-metodológico da pesquisa nos fundamentamos na Análise de Discurso (AD) de linha francesa, mais propriamente em textos de Eni Orlandi e Michel Pêcheux, fundador dessa linha teórica.

Além disso, o próprio modo como professores e estudantes posicionam-se diante dos textos de ciências também constitui suas interpretações. Nesta perspectiva teórica compreendemos que as leituras são produzidas por sujeitos localizados em contextos histórico-culturais, sendo assim, não estão coladas aos textos (ORLANDI, 1996). Essa afirmação nos remete a consideração de que ler é mais do que decodificar símbolos localizados em um texto, é processo de atribuição de sentidos, de produção de interpretações diante dos textos com os quais tomamos contato. Do mesmo modo, ao enfocarmos a escrita, trabalhamos privilegiando-a como espaços de significação.

Aluna aplicada na escola fundamental, nem tanto no Ensino Médio (talvez fruto das resistências da adolescência), sempre tive uma relação muito forte com a leitura e com a escrita. Meu pé de laranja lima, A Ilha perdida, A turma da rua quinze, O mistério do cinco estrelas, Sozinha no mundo, além de quadrinhos e enciclopédias que adorava folhear para ver as imagens de lugares e animais exóticos, são alguns dos títulos que fizeram parte das minhas leituras, dentro e fora da escola, além de poesias de Mario Quintana, Manuel Bandeira, Drumond. Ler era sempre uma forma prazerosa de passar o tempo, viajar.

Apesar da experiência com escrita, em diários, cartas para as primas distantes e poesias, e apesar de não ter muitos problemas com a aprendizagem de gramática, das notas dez em testes de leitura, escrever para a escola era sempre uma tarefa sofrida, coisa séria.

Há pesquisas que trabalham a linguagem presente em discursos de divulgação científica, didáticos, midiáticos, preocupando-se com o uso e funcionamento desses textos no ensino de ciências.

Sentidos atribuídos à leitura e/ou escrita por professores

As conseqüências dessa lacuna podem estar relacionadas à cristalização de visões reducionistas de linguagem, de leitura e a dificuldades destes professores de incorporar uma variedade de práticas de leitura em suas aulas (ANDRADE E MARTINS, 2006, p.148).

Como trabalhar a escrita de forma lúdica? Como se pode restabelecer uma autoria por parte dos estudantes nos textos escritos nas aulas de Ciências? Por que não podemos utilizar uma escrita marginal dos estudantes nas escolas, como os seus diários? (CASSIANI E NASCIMENTO, 2006, p.107)

De acordo com Smolka (2007):

Investigar, portanto, as relações de ensino e, nessas relações, examinar os modos de participação dos alunos na construção do conhecimento, ouvi-los, procurar entender como eles operam, de onde partem, como relacionam informações e conhecimentos, como justificam ou explicam essas relações, que suposições ou hipóteses elaboram, pode contribuir para o refinamento do olhar e dos modos de considerar o que acontece no espaço institucional da escola. (p.16)

...a preferência desses alunos por determinados tipos de textos está relacionado ao tipo de cobrança que se faz na escola sobre a leitura.

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Patricia Montanari Giraldi (2010)
Enviado por J B Pereira em 12/11/2013
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