Somos visões uns dos outros
Fundo-me às montanhas no horizonte. Misturo-me as múltiplas facetas coloridas do crepúsculo que prenuncia o negrume da noite silenciosa. Velejo pelas ondas tênues da realidade misteriosa das coisas inanimadas, e pelos olhos do mistério que a natureza emana, vejo que tudo que nos cerca canta, consciente de si mesmo, a sinfonia mística da existência. Cai a chuva fria molhando as plantas que gritam em harmonia ao som das gotas que despencam do grande globo azul. Frente àquela vasta paisagem se faz a revelação de uma visão profunda, de meus olhos observadores eu me via fundido à natureza pelos olhos dos outros seres existentes que por ali estavam. A cobra que come o rato; a águia que come a cobra; eu experimentava a singularidade da vida em visões particulares.
Foi posto a mim, naquele fim de tarde chuvoso, que somos todos visões uns dos outros. Somos sujeitos que observam uns aos outros como objetos. A mistificação daquela profunda visão revelava que somos espelhos uns dos outros; visões dentro de visões. E então morremos atentamente para a individualidade de nossos corpos, tão atentos separadamente ao morrê-la, que não reparamos que éramos um só; que cada um dentro de uma ilusão do outro, cada um dentro de si, formava o eco de um único ser (...)