Em mim sempre é menos pior a sensação do que a consciência delas

Um amigo perguntou por que eu sempre fora um ser tão triste, pois sempre me vera com o brilho dos olhos lúgubres, mergulhado num vazio profundo. Eu olhava atônito a mistificação da abóbada celestial e todo globo magistral que ornamentava a terra. Sentindo a linguagem do vento que sussurrava a verdade aos meus sentidos moribundos, respondi que era triste porque vivia...

Mas eu também vivo, e nem por isso sou triste — respondeu ele.

Que consciência você tem de ser feliz, de seu estado de felicidade, de seu estado de ser consciente? — perguntei.

Você torna as coisas complexas demais, a vida está aí para simplesmente vivermos — ele disse.

Viver... O que é viver?

Meditei naquelas palavras por um tempo, e sob o silêncio que se formou, quebrei-o dizendo:

Amigo, somos seres de realidades distintas, o que você chama de viver eu chamo de sono profundo. Continue dormindo, continue no autômato, continue vivendo seu sonho feliz, e não estou dizendo que estás errado. Não despertes a consciência das sensações de ser e sentir, pois verás o absurdo que é ser e sentir, e isto lhe consumirá angustiosamente por viver consciente de ser consciente desta vida. E isto é insano. Um absurdo. Os frutos de minhas dores são colhidos de árvores distintas; não sofro pela sensação de sofrer, eu sofro pela consciência de que sou ser, de que sinto. A intensidade da consciência das sensações é o que me perturba. Não sei quem sou, pois quem penso ser no segundo seguinte já não é mais...

Neste mundo em que vivo basta uma folha desprender-se de uma árvore para que no meu peito ânsias pungem meus pensamentos a questionar o tamanho mistério de tal cena. Eu vivo. Como pode? Isso é maluco. Por que existe algo ao invés de nada? Eu sinto. Sinto tudo, até mesmo meus pensamentos. Mas... como? O que vejo é realmente o que vejo? Percebo o mundo por minhas sensações, moldo o mundo de acordo com minha percepção, então o que é mundo em si? Um reflexo de mim mesmo?! Uma coisa à parte a mim, e que nunca irei conhecer?!

Percebes como vivo numa completa loucura? Ser consciente de estar vivendo é mergulhar na maior loucura que existe. A essência da vida é ser mistério, isto sempre perturbará uma mente desperta, consciente, pois o pensador jamais descobrirá o mistério de si mesmo. Como ser feliz se a consciência de ser feliz me perturba?

Sinto-me dentro de um sonho, amigo. Um sonho muito absurdo e insano. E neste sonho acontecem coisas, relances de devaneios cósmicos que revelam no bater de asas de uma borboleta universos inteiros que se formam. A redolência das flores é profundamente, horrorosamente, maravilhosa. Cada momento é único, como se ao despertar do sono profundo pareço abrir os olhos para o mundo pela primeira vez. Quando tenho um momento feliz, mesmo atormentado pela de consciência de ser feliz, é como se naquele instante o tempo parasse, e um segundo se estendesse pela eternidade devido à sua profunda intensidade...

Sabe, amigo, não sei se desejaria viver de outra maneira, pois através da consciência de ser e existir, pude sentir e viver a eternidade de cada instante.

Nishi Joichiro
Enviado por Nishi Joichiro em 02/11/2013
Reeditado em 30/01/2014
Código do texto: T4553370
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