LEMBRANÇAS
Morávamos em uma casa construída por meu pai, com muita luta ele fez aquela casa e tinha orgulho em dizer que nela não havia nem uma colher de cimento, era toda feita de tijolos e barro, não tinha nem coluna, os tijolos eram colocados de forma a travarem uns nos outros, intercalados.
Nasci nessa casa e vivi nela até os 28 anos. Quando era criança, muitos me achavam estranha, como se vivesse no mundo da lua, e hoje vejo que vivia mesmo. Era uma criança fora da realidade, que era difícil. Para mim tudo estava bom, não reclamava de nada e nem pedia nada para mim, muitas vezes não tinha comida em casa, mas me virava comendo limões com sal que ia pegar em um limoeiro perto da casa, pão duro era constantemente para o café da tarde, mas isso também não me importava, o importante era matar a fome, não perdia uma merenda escolar sequer, sempre corria na hora do recreio para a fila da merenda, que para mim era sempre uma delícia.
Não lembro-me de ter alguma coisa que quisesse muito, qualquer coisa me alegrava, somente algo não podia falta na vida, e para mim aquilo era primordial, ficava horas e horas curtindo uma balança de corda, amarrada no abacateiro do quintal, isso era tudo que eu queria, balançar, minha brincadeira predileta.
Minha mãe morrera quando eu tinha 09 anos, sendo a filha do meio, era também meio esquecida, os mais velhos sabiam se virar melhor e os mais novos tinham atenção redobrada dos maiores, porque necessitavam de mais cuidados. Mas uma coisa me orgulhava muito, era que tínhamos umas fotos de minha mãe e em algumas delas eu estava em seu colo, isso me consolava tremendamente e essas fotos eram por mim revistas constantemente, lembro-me de sentir-me especial por ter duas fotos onde minha finada mãezinha me carregava no colo, era um troféu, um consolo para um coração infantil.
Meu pai trabalhava o dia inteiro e quando voltava já estava começando a anoitecer, então tínhamos que nos virar sozinhos, logo passamos a ser crianças indesejadas pois que não tínhamos alguém que controlasse a nossa energia infantil, ou que nos educasse para viver socialmente. Logo ficamos muito introvertidos, nos escondíamos quando alguém da família vinha nos visitar, criança sem mãe, sem colo, sem afeto, sem carinho, transformam-se em pessoas muito fechadas e introvertidas, esse foi o nosso caso. Poderia escrever um livro com as histórias de nossa infância, que foi difícil, se pensarmos na orfandade, mas que para mim foi um dos melhores momentos que vivi, porque vivia no mundo da lua.