Amizade: radical da felicidade!
Por que filosofar? Sabedoria, dir-se-ia. Mas o que é sabedoria? Acredito, como Sócrates, que a sabedoria está em descobrir a ignorância em cada aspecto da vida, ou seja, descobrir que nada sabe! Will Rogers disse que “Todos somos ignorantes, só que em assuntos diferentes.”, acrescentaria que, mesmo no assunto que dominas, és um ignorante em potencial, pois nada no mundo é estático, tudo está em constante aprimoramento, adaptação, logo também seremos ignorantes naquilo em que dedicamos nossa vida para estudar se, por um instante, acharmos que, esse tópico, dominamos.
Assim, a filosofia, ao buscar a reflexão, fomenta a dúvida, essência da sabedoria. E por que a dúvida é uma constante? Porque vivemos numa realidade limitada, extremamente limitada. Vemos por aí muitas pessoas cheias de respostas, conclusões, verdades apodíticas. Tais pessoas ou estão mal informadas ou mal intencionadas. Explico!
Pensem comigo, de toda a realidade exterior o ser humano somente consegue focar sua atenção numa parte de cada vez. Mal comparando, a realidade exterior seria um pacote de canais de TV a cabo e a nossa capacidade de percepção estaria limitada a um canal de TV por vez. Pois bem, desse canal de TV, dessa parte do todo do universo, nossa parcela de apreensão está limitada aos nossos sentidos. Numa pessoa saudável, os sentidos, trabalhando no máximo, conseguem captar algo em torno de 400 milhões de bit’s de informação por segundo (algo em torno de 48 MB), contudo o cérebro humano somente é capaz de decodificar cerca de 2 mil bit’s por segundo (equivalente a 250 bytes). Aí, pois, a segunda limitação da realidade exterior. Uma vez a informação no cérebro, ali reside um terceiro crivo, qual seja, nossa capacidade de memorização, associação e crenças, as quais ditam o retemos e consideramos informação útil e/ou verdadeira. Tomada a realidade nesses termos (três limitações já), formada a ideia de realidade (agora uma realidade interior), surge um novo problema: fazer o caminho inverso para expor essa percepção subjetiva a terceiros, embora seja dita e aplaudida como objetiva.
Ocorre que, nos dizeres de Augusto dos Anjos, o pensamento passa por um sucessivo processo de empobrecimento até chegar à palavra, que tenta expressá-lo. Isso porque a palavra limita o pensamento, porquanto, primeiro, o vocabulário é limitado, e, segundo, não há uma relação intrínseca entre o objeto e a palavra que o tenta descrever. Não bastasse isso, sendo a ideia (o pensamento) uma projeção mental da realidade exterior, fruto da interpretação das informações que chegam no cérebro, não há como ter certeza de que a projeção mental guarda correlação com a realidade exterior: um vulto pode ser algo para fulano, outra coisa completamente diversa para beltrano e, para cicrano, absolutamente nada (o Teste de Rorschach é um prova disso).
Como se vê, toda externalização de uma realidade, toda verdade incisivamente apontada por alguém, tem, no mínimo, cinco limitantes! Como é possível, dessarte, que alguém possa ser categórico sobre algo? Ah, então não existe certeza sobre nada, a verdade é um grande ponto de interrogação? Exatamente! Antônio Abujamra disse algures: “No mundo governado pela incerteza, o único caminho possível é o da dúvida. É preciso idolatrar a dúvida.”.
Pois bem, meus amigos, tudo isso foi para dizer que, embora estejamos sempre nos umbrais da realidade, tangenciando o real sabor das massas e das maças (como diria Almir Sater), me arrisco a escrever algumas palavras sobre a amizade. Me arrisco pois, como supradito, descrever algo com precisão exige a precedência do conhecer algo com precisão, ter certeza sobre o real alcance desse algo, uma tarefa fadada, mesmo que bem sucedida, à transitoriedade, mas passível de um olhar meritório, dependendo das balizas utilizadas.
Me sinto impelido a descrever a amizade, ainda que num rabisco conceitual, pois entendo que é na amizade que jaz o real sentido da existência humana, bem como porque, dependente do conceito de amizade, está a substância do amigo, uma vez que somente é possível a alguém dizer, com um mínimo de propriedade, que têm amigos, se esse alguém tem, nas balizas com que define a amizade, um conteúdo de mínima qualidade.
Pois bem, vamos à empreitada. Entendo que amigo é: aquele que ri e chora contigo, sentindo, sofrendo, sorrindo; aquele que compartilha dos mesmos valores e escala de valores; aquele que não tem medo nem receio de apontar teus erros, pois prefere a raiva e a indiferença a te ver cair no percalço recôndito; aquele que te escuta, não apenas ouve; aquele que te aconselha com "animus solucionandi" e não apenas "opinandi" ou "palpitandi"; aquele cuja conversa flui e a presença se faz leve; aquele que não desvia o olhar; aquele que não te quer ver mudar, mas vencer; aquele que, no nascer da angústia ou da grande dita, vem na mente, quase que instantaneamente, como interlocutor.
A amizade, pois, é atenção mediatamente desinteressada, é a empatia diretamente manifestada, é a ligação que leva o ser humano à sua essência anímica, na qual critérios estéticos, lascívia e luxúria não encontram abrigo, onde a felicidade é o mero reflexo do bem agir, onde a existência é um fim em si e a humanidade encontra a solução radical de suas mazelas!
Feliz de quem tem amigos! Grande abraço a todos!