CREPÚSCULO DOS ÍDOLOS
(Ciclos contínuos construindo farsas, Nietzsche!)
Caro Friedrich Nietzsche,
se para haver o prazer
das gêneses
e se para que vontades de viver
se sustentem em si,
é preciso o tormento
da parturiente,
sinto informar-lhe
que enforquei Zaratustra,
tua grande construção,
em plena praça pública
de meu desconhecido reino
por uma simples questão:
desconheço as verdades
dos abnormais
e bem sei da exiguidade
dos verbos
regozijados pelos construtores
de imperativos.
Porque também estou condenado
a colecionar abismos e insânias,
dos quais posso emergir
criações artificiais
sem nenhuma desordem certa,
a inaugurar imensidades
do nada,
a disfarçar crenças
com sorrisos,
a esgrimir florescências
em sombras,
a enredar amores com espinhos
ou flores,
a fabricar tempestades
de agonia,
a colorar as retinas
cegas
a inventar deuses e demônios
mitológicos,
a voar como borboletas
ou águias azuis,
e também a andar como formigas
ou vermes canibalísticos;
tudo para avultar,
entre a urgência das coisas
que me rodeiam,
meu ego senciente que,
como fora o teu,
é também minha
maior prisão.
Mas, meu caro Nietzsche,
perdeste o alimento do corpo
e da mente insana
no naufrágio do desalinho,
onde outrora foste destroços
e criador,
– bem mais que eu –
por outra simples questão:
habitas onde até Zaratustra
e teus piores demônios
temeriam: o apagamento.
Mesmo lugar para onde
também irei – e todos –
e, como teu Zaratustra
por mim enforcado,
toda minha obra cipreste
estará sem razão de ser
por simples inexistência
de nossos egos sencientes
para assistir ao espetáculo
que protagonizamos no caos.
Péricles Alves de Oliveira