São tempos estranhos
São tempos estranhos, mórbidos, estes em que, preso às suas celas invisíveis, passo meus tediosos dias nublados. Quem sou eu neste ergástulo temporal da vida? Não sei, nem acho que sei o porquê não sei. A matéria de meu ser viaja pelo espaço rumo a lugar nenhum, perdido no absconso mundo sem ser e sem forma do tempo e espaço. Fecho meus olhos e estendo minha imaginação ao infinito e mergulho no orbe atemporal da consciência, e vejo dentro de cada pensamento revelarem-se universos imaginários tão reais quanto este em que se faz a solidez da matéria bruta. É tão estranho, maluco, pois já não sei em qual destes universos meu ser habita, se sou apenas uma imaginação de mim mesmo, ou o sonho de um Deus entediado. Ando perturbado, ideias me cobrem o ser, e a insanidade parece estender-me os braços quando percebo, em noites de profundos desabafos, a sensação de ser o efeito de minhas ideias, a causação de meus pensamentos, ser imaginário de mim mesmo. Estou completamente perdido em meu próprio ser. Mas como dizia Fernando Pessoa: "Perder-se também é caminho". Então eu trilho na solidão de mim mesmo, revolvendo dentro de minha alma, nesta bagunça memorial que eu carrego, tentando encontrar quem realmente sou...
São tempos estranhos estes em que, entre olhares que se esbarram pelas ruas, universos de possibilidades se formam numa dança invisível que molda todos os caminhos da existência. Será que somente eu estou vendo a valsa universal que se revela por trás de cada pensamento humano, de cada escolha que tomamos; e que o mais ínfimo ser é tão significante para a vida quanto às estrelas que refulgem no universo? Perturba-me a consciência quando vejo se desprender das árvores as folhas que cumprem seu tempo de vida, e estas tamborilam pelas calçadas das ruas, que, por conseguinte, afeta a vida daqueles que com elas entram em contato, mudando completamente o rumo da vida que esses seres levariam caso não às encontrassem...
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" O cair de uma folha, o bater de asas de uma borboleta, é tão significante para a existência quanto qualquer outra coisa. Toda vida se conecta numa teia invisível que nos liga às nossas escolhas. Tudo está interligado. Dizer sim há um instante, é dizer sim a toda a existência"
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São tempos estranhos estes em que, em noites que a consciência descansa no profundo sono, vejo-me desperto no mundo onírico cercado de reminiscências que formam um composto aglomerado de tudo aquilo que eu vivi. Como quem assiste a um filme, eu vejo minha vida acontecendo simultaneamente em quadros que preenchem a tela de minha mente. É tão estranho, divino, mas quando me entrego a estas lembranças, entendo o panteísmo de Spinoza, pois me ligo a singularidade de todo o universo que carrego dentro de mim, de todas as coisas que vivi, e percebo como a passado só existe para a mente, onde tudo acontece ao mesmo, e você é o Deus de seu próprio mundo.
Aquilo que chamam de sonhos, coisas irreais, eu chamo de o mais profundo que há de existir no ser. É a realidade mais pura do si mesmo, e tão real quanto esta em que julgam ser a única, pois sua realidade consiste em não despertar, e em quanto corpos de sonhos, é tão possível e sólida quanto qualquer outra.
Desperto novamente ao mundo material, sinto cair das estalactites abstrusa das profundezas da consciência, um pensamento que me faz estremecer o corpo inteiro, mas este esbarra na languidez da língua, e a linguagem limitada não consegue expressar tamanha intensidade que possui tal pensamento. Então somente fico a indagar, incomodado pela profunda e reveladora intuição do pensamento não expressado, se esta vida também não seria apenas um sonho.
Ah, nem sei mais o que pensar, nem mesmo sei se penso, ou se penso que penso não saber o que
pensar. Só existe uma confusão e um estranho sentimento de estranheza por todos os lados.
Eu sou o estranho, ou realmente são tempos estranhos.
Quem sou eu neste ergástulo de meu ser? A incerteza de mim mesmo; a imaginação de mim mesmo; as lembranças que eu carrego; aquele que já não sonha, pois se tornou seu próprio sonho; a saudade do que não sou; a melancolia do vir-a-ser; a imaginação de meus próprios pensamentos; aqueles que passaram pela minha vida; O Tudo e o Nada...
São tempos estranhos...