No Acostamento
Numa rodovia, gotículas iniciavam uma tempestade de verão. De costas para a estrada, eu fumava meu cigarro no acostamento, olhando a vegetação, numa dessas pausas distraídas que a gente costuma fazer quando são longas as viagens. Assustado, me voltei para a avenida: o barulho de uma buzina num tom grave chamou a minha atenção. Eram dois caminhões, andando em direções opostas no asfalto castigado.
Um dos caminhoneiros sorria, enquanto recebia do outro curtas buzinadas intervaladas em troca, num tom mais agudo. Permaneceu olhando sorridente na direção da cabine do outro caminhão, do qual pude ver apenas a traseira, que continha no cargueiro aberto um carregamento de pneus.
O sorriso, do caminhoneiro que buzinou era o sorriso de um homem velho. De um homem de vista cansada, que longe da família, dava-se por contente apenas por ver um companheiro de estrada.
Isso aconteceu há bastante tempo, mas guardo aquele sorriso como uma fotografia na minha memória. E aquele sorriso é o que eu chamaria sem titubear, de um autêntico milagre.
O rosto do outro caminhoneiro, que despertou tanta alegria no rosto enrugado que vi, permaneceu e vai permanecer para sempre desconhecido.
E essa rosto incognoscível, é por certo o que eu chamaria de deus.