Eu, clone de Ananke*
Você é a minha parte que raciocina.
Talvez filosofando, talvez confabulando
entre paredes, entre vácuos, ou até
indo com os ecos, você é a minha
parte que raciocina.
Quer saber da outra parte que não raciocina?
Teria que juntá-la.
Olhando bem, verá que está em frangalhos.
São pedaços distribuídos pela premissa do contexto.
Fiz-me em partes desiguais. Você que raciocina,
e ela, a outra parte que acumula... É interessante
observar que ela é que foi a crédula. Também
foi a que desenhou todo o arco-íris desde o pote
até a curva do norte. Sonhou mais, brincou mais,
voou acima do céu. Enquanto ela ia a pontos
absurdos, você se embrenhava em labirintos.
Você foi quase carnívora. Degustava a alma
em toda a sua extensão. Saciou sua fome?
Sabia que não saciaria. Ainda há muito
mais. Apesar de tanto confabular você não
consegue chegar ao fim do labirinto. Ela
não tentou. Bem que chegou a entrar, mas
no meio do meio, já havia criado asas, já
havia ouvido serenatas, seu coração já
batia descompassado. Ela tentava o passível.
O mundo então se tornou uma aventura para ela.
Mas o mundo é cruel. Muito cruel. Por isso é que
ela está em frangalhos. E você? Conservou-se intacta?
É óbvio que não. O labirinto tragou um tanto da sua
essência, de sua certeza, de sua lucidez. Não conseguiu
sequer criar uma frase de efeito...
É lúcido constatar que vocês duas me formam.
Como também é fácil constatar que eu, apesar de
vocês, ando no chão e nas nuvens. Tão ludicamente
quanto possível entre a sanidade e a loucura, esboço
o meu perfil final: sou o clone de Ananke*.
Ananke* - na mitologia grega, personificação do
destino, necessidade inalterável e fato.