Descansa, póstumo amigo

A tristeza por sobre seus ombros caiu como brasas que queimam a pele, deixando nódoas horríveis em sua obscura alma fria, que quanto mais vivia, mais vontade tinha de ser morto. Engolido pelas trevas deste mundo lúgubre, você carregou a dor infinda da tristeza profunda, sempre trazendo nos olhos o brilho fúnebre de um castigo não merecido de ter de suportar tão terrível infelicidade. Tu chegaste ao seu calvário em dores latentes, que diluíram a chama da vida que queimava em seu âmago, e entregastes sua cruz com manchas de sangue que simbolizaram a mais terrível das tristezas. Amigo de amizade profunda, descansa, dorme o sono sereno dos mortos, aguarda-me no berço dos que não-são, pois logo eis de me deitar ao seu lado, e juntos seremos vistos como um só, confundidos eternamente à morte...

Vago errante pelas áscuas desta vida nefanda, amigo, levando no peito as vívidas lembranças de outrora, de quando no campinho jogávamos bola, ou de quando estávamos a caminhar pela mata de eucaliptos. Seguro as lágrimas ao escrever estas palavras, pois sei que elas não dignas de cair pela sua ausência, pois lembro-me muito bem, quando me disse numa noite em que as estrelas pareciam brilhar desesperadas, você dizer que teu sonho era dormir na paz dos mortos.

Em noites em que o céu límpido se apresenta, sem a interferência das nuvens turbulentas, observo as longínquas estrelas, e exteriorizo suas memórias nestes imensos astros que talvez também já nem existam, e fico na ilusão do brilho que chega até meus olhos como se você estivesse a me observar de longe. Lembro-me de quando dialogávamos sobre os mistérios do universo, e você sempre tão esperto, criando sempre novas teorias malucas. E uma delas, a que juntos chegamos e hoje tenho como minha filosofia, aquela da qual se une toda a existência na universalidade do carbono, e panteísticamente na singularidade que funde toda a existência em apenas um ser pensante. Esta me faz mais próximo a ti, grande amigo, pois mesmo que sua carne putrefata agora sirva de alimento para os vermes, tu marcaste a existência com a tua existência, de onde todos os eventos que decorrem depois de sua morte me fazem ver — mesmo sem sua consciência — o simbolismo de sua existência preenchendo os caminhos da minha existência; unindo a mim aos teus amigos, e os teus amigos a mim unindo, e criando novas histórias que se estenderão para toda a vida. Chego até a crer, que tudo que passar pela vida, marca toda a existência de forma que cada ser transfere para outro ser o simbolismo de todas as espécies do planeta...

A saudade bate forte no peito, a melancolia assopra sua triste canção em meus ouvidos, e sem ti ando mais perdido do que quando comentávamos do grande dia derradeiro em que nos veríamos vãos adormecidos nas profundas sepulturas.

Sinto uma alegria melancólica ao lembrar que tua dor foi embora, e encolhe-me em posição fetal, sendo devastado pela mesma dor que você carregou em vida, buscando uma saída, que talvez seja diferente daquela que você escolheu... E sigo pela vida com o desejo de revê-lo, e talvez rirmos da própria desgraça como sempre fazíamos, mostrar-lhe esse humilde texto como representação de sua partida, para que talvez se orgulhe do presente que me deixou em vida, que é este dom de exteriorizar os sentimentos em palavras escrita, mas que, infelizmente, me custou sua companhia...

Nishi Joichiro
Enviado por Nishi Joichiro em 18/09/2013
Reeditado em 04/10/2013
Código do texto: T4486766
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.