Cada vez mais você vai se importando menos
É verdade.
Cada vez mais você vai se importando menos.
No começo sempre dói bastante. Aquela dor da incredulidade.
Aquela dor estarrecedora.
E, depois que a perplexão míngua, você pouco sente.
Mas isso é só depois da raiva.
Da gastura que a vontade de matar gera.
Depois, você dá de ombros.
Acostume-se. Se acostuma. Pois.
Essa é a era em que as pessoas não suportam a presença umas das outras.
E é por isso que elas vivem com a cara enfiada no celular, conversando com as pessoas.
Elas também não suportam a presença da solidão; querem afugentá-la a todo custo.
Qualquer amizade que você possa ter de ontem em diante já está condenada a ruir por causa de alguma coisa diminuta.
Dinheiro.
Namoros novos.
Namoros velhos.
Cada vez mais você pode contar menos com os seus amigos.
"Mas o que significam nossos amigos para nós, se apenas os vemos oito vezes por ano?", já escreveu Virgínia Woolf.
E isso foi há três quartos de século atrás.
Ela não poderia prever que com duas dedadas e uma escorregada num plástico poderíamos estar em contato com esses estranhos que chamamos de amigos.
Vêmo-los quatrocentas vezes por dia, mas deus que nos livre de encontrá-los por acaso em meio às turbulências diárias.
Confessamos saudades, mas nunca temos tempo disponível para matá-la.
Confessamos amor, mas no minuto seguinte trocamos a janela na tela, prontos para outra confissão sem substância.
Os gritos no portão foram substituídos por "vamos marcar" eternos.
Nossa esquina com pé na parede foi substituída por churrascos de fim de ano onde o assunto principal é o silêncio dos goles intercalados com as dedadas de sempre nas poucas polegadas de sempre.
E ninguém tem culpa.
A gente tenta encontrar um bode expiatório para pôr a culpa, mas é uma busca inútil.
É lutar o inelutável.
Nós nos perdemos.
Caímos dentro do centro do nosso umbigo. Um umbigo cheio de espelhos.
E não conseguimos sair.
Não conseguimos mais sair