Efemeridade da vida
O que somos nós? De que somos feitos? Pergunto-me. Num nível mais rudimentar dir-me-iam que somos feitos de carne, ossos e de órgãos. Mas não é a isso que me refiro. Pergunto-me o que somos nós. Que coisa é esta que nos faz sentir um dia uma coisa, decidir outra no dia a seguir, todos os dias, uns a seguir aos outros. Domingo é depois de Sábado, segunda-feira é antes de terça-feira e a seguir vem quarta. O que é o dia de hoje daqui a trinta anos? Poderei lembrar-me dele ou não. Nunca saberemos quais são os dias que importam e aqueles que não. No entanto, a nossa vida, é o conjunto dos dias que importam e não importam. Unem-se todos numa massa indivisível que moldamos com as nossas ações. Mas será correto dizer que as nossas ações é aquilo que nos define? Penso que não. Há tanto que fica para lá daquilo que fazemos ou dizemos.
Flutuamos numa corrente apenas de um sentido. Flutuamos todos juntos dando encontrões uns aos outros, cruzando-nos com uns, ignorando outros – não somos mais que peixes de um cardume estrebuchando contra a corrente. A corrente que nos puxa mais um bocadinho todos os dias - cada vez mais perto do olho do remoinho. Peixes assustados que, com a cabeça fora de água, têm a lucidez do seu fim tarde demais. E no entanto na maior parte dos dias não conseguimos ver isto, e é bom que assim seja, ou viveríamos as nossas vidas aterrorizados.
Mais um dia que acabou. Mais um salto fora de água. Mais um empurrão. Somos soprados para longe, devagar, sempre muito devagarinho, para algo que desconhecemos. E no entanto vamos cegos, uns mais que outros, mas cegos. Passamos a nossa vida tentado decifrar as apalpadelas que vamos dando no escuro. Às vezes fugimos, outras vezes receamos, outras vezes arriscamos, no fim quem é que teve mais inteligência? O que fugiu, o que receou ou o que arriscou? Não sei, talvez saiba a resposta a esta pergunta no fim das coisas (se até lá acordar) enquanto isso vou mergulhando nos mais profundos abismos, sempre às escuras, sempre aos apalpões e aos encontrões, sempre incerta e desconfiada, e quando estou prestes a fazer a descoberta de uma vida sou arrancada por uma mão firme que me aperta a garganta e outra que me puxa pelos cabelos e me traz de volta à vida tal como ela é, ou aparenta ser, sou forçada a vir à superfície para respirar, para não me afundar e perder de vez, para voltar a ser mais um peixe na corrente e ter a segurança que proporciona ver outros na minha situação, iguais a mim, com o mesmo destino. De seguida, e quase tão de repente como me trouxe à superfície, essas mãos voltam a mergulhar-me e a sacudir-me, sustenho a respiração e engulo em seco e estou de novo nas profundezas.
Outras vezes, deixo-me levar, calma e pacífica, ondulo sem tempo e destino, deixo-me ser arrastada e deixo que os empurrões que levo me dirijam o caminho, mal ou bem que me interessa? No fim vamos todos dar ao mesmo. Não sou mais que uma baleia perdida no mar da consciência, mergulhando, voltando à superfície, mergulhando de novo. Este ciclo vicioso que me enrola, onda que me traz e me leva, para a frente e para trás, baloiço a qual estou amarrada. No fim, só restará a espuma na areia que será de seguida absorvida e é dessa forma que serei apagada.
Os dias passam. Amanhã será um novo dia que nada terá de diferente deste que está quase a acabar. Domingo é depois de Sábado, segunda-feira é antes de terça-feira e a seguir vem quarta.