Completo em si mesmo
O ônibus parecia deslisar pela pista, a paisagem lá fora corria desesperadamente, dificultando a coerência das imagens. Sentado ao lado da janela, ele fitou o céu negro forrado de estrelas que mais pareciam pirilampos piscando e tentou varrer todos os pensamentos que o matavam por dentro. Desligou-se da incerteza do futuro e esqueceu do passado nostálgico. Por segundos sentiu que não havia espaço para tristeza, pois estava vivendo somente àquele instante, e entendeu a fonte de sua dor; ele não vivia, esteve sempre situado no passado e futuro, enquanto o presente lhe escapava por entre os dedos. Ele sorriu, fechou seus olhos e contemplou a negrume das pálpebras, e se surpreendeu ao ver que seu vazio parecia preenchido. Sorriu novamente. Abriu os olhos e encontrou as estrelas que pareciam sorrir para ele, como se estivessem dando as boas vindas, e entregou-se ao convite que a vida parecia fazer aos seus olhos, pois tudo parecia novo, visto pela primeira vez. Foi tomado por tamanha paz que jamais sentira em toda a sua vida. A realidade exterior parecia refletir seu próprio estado de espírito, ou ambas fossem análogas, e quando uma mudasse, a outra também mudaria. Tudo que ele considerava um problema começou a ser visto de uma perspectiva simples. E naquele instante, vivendo somente aquele momento, sentiu-se completo em si mesmo...