Morto por Dentro
Você se deita na cama procurando pelo sono que foge de ti. O corpo dói. É madrugada, você quer descansar, esquecer um pouco de si mesmo, mas a insônia insiste em não deixá-lo. Então você se levanta e acende um cigarro. Não, você não fuma, mas esta é a fuga mais viável para livrar-se da angustia que lhe corrói. As primeiras tragadas e a mente se extasia, levando-o à uma ansiedade louca. Você olha para o seu gato que está deitado na cama, ele lhe devolve um olhar sarcástico, irônico, fechando os olhos logo em seguida, como quem quisesse sorrir ludibriosamente. Pena... é isto que você vê naqueles olhos. Outra tragada. As cinzas que caem do cigarro parecem simbolizar sua vida que se esfarela com o sopro do tempo. Você observa o silêncio à sua volta, somente os ruídos do computador e o ronronar de seu gato quebram a quietude da noite. O cigarro chega ao fim, e apenas uma pequena brasa ainda continua a queimar. Aquela brasa é sua vida, queimando sem forças, arrastando-se para os minutos finais de sua existência. O torrão de cinza cai, desvanecendo-se no ar, chegando ao chão somente as partículas do que um dia existiu. A porra das lágrimas lutam para saírem, fazendo as glândulas lacrimais tremerem, mas você prometeu que nunca mais iria chorar, então sufoca toda aquela dor infinda, olha para as partículas de cinza no chão, com a ciência e realismo de que vê o reflexo de si mesmo, e sorri ironicamente pelo seu estado lamentável.
Você acende outro cigarro. O estalido do isqueiro faz seu gato novamente lhe encarar os olhos, mas desta vez, desdenhoso, como quem quisesse demonstrar raiva pela sua besteira de se afundar na ilusão da nicotina. Agora, com a primeira tragada, você sente a fumaça queimando-lhe o peito, preenchendo o buraco que há em ti, aumentando mais ainda a ansiedade que amarra a corda em seu pescoço. Soprando a fumaça fluídica no ar, desordenada, esta parece simbolizar o fluxo interno de seus pensamentos; desconexos, profundamente perturbados como esquizofrênicos num manicômio.
Pensamentos sobre a existência lhe assombram, pensar sobre a vida apenas lhe mostra sua condição miserável como ser. Então você afasta esses pensamentos e se concentra na dor incognoscível que lhe devora por dentro, encarando-a na escuridão de seus olhos fechados. Silêncio. Vazio. Na escuridão infinda de seu interior, você mergulha no vazio abissal que lhe consome, caindo pelo que lhe pareceu horas, e talvez, se não tivesse que sair de sua paz funérea, cairia para todo o sempre...
O cigarro chega ao fim, despertando-o de sua queda eterna com uma fisgada quente nos dedos. Grande parte das cinzas ainda presas ao cigarro lutam para não caírem, e sua mania de ver significados em tudo lhe diz que é a vida lhe mostrando a torre de sofrimento que carrega dentro de si; oscilando de um lado para o outro, ansiosa para despencar. Você dá um toque leve no filtro do cigarro e as cinzas desabam junto à torre que você sustenta há tanto tempo em seu interior. Dor. Sob os escombros do que resta de si mesmo, você se imagina vagando por entre as reminiscências do que um dia foi motivo para sorrir. A ânsia e angustia fincando agulhas no peito fazem com que você quebre a promessa, e as lágrimas despencam suavemente uma após a outra, lavando sua face em cristalinas gotas melancólicas, molhando as lembranças despedaçadas.
Remontando os destroços de si mesmo, como um catador de lixo perambulando pelas madrugas frias, você se despede de si mesmo, pois sabe que quando algo se quebra, jamais voltará a ser como antes. São suas cicatrizes internas que lhe dizem isso.
Você deita na cama, fitando o que parecer ser o teto, mas sua visão está longe, voltada para dentro de si, onde acontece o funeral de si mesmo. Você perdeu a si próprio, e não há luto pior que aquele que simboliza sua própria morte interior...
Hora de dormir, ou pelo menos tentar...