As portas
'Saída'- era o que expunha o letreiro luminoso acima da porta do teatro.
Sentada à poltrona medianamente confortável, reparei no brilho vermelho das letras grandes, nítidas, e no fluxo de pessoas entrando no recinto.
'Saída'... E gente entrando e sentando, esperando a apresentação começar...
Pensei em incongruências. Pensei em promoções de marketing. Pensei numa casa de tolerância. E me danei a pensar em emoções enraizadas de forma tal que se acabam ocultas...
O teatro era quase mínimo, desses com palco baixo, coxias inexistentes e iluminação indefectível, só porque precisa ter luz, sim. Entre os presentes, ali para prestigiar um amigo músico que lançava seu primeiro cd, a maioria se conhecia; um eu conhecia bem. Muito. Demais.
Como de hábito, eu já havia dado meus pitacos nas músicas. Críticas quase nunca são bem vindas, especialmente quando o alvo é a objetiva arte resultante de tão subjetivo talento; a confusão é sempre entre este e aquela, mas não vejo causa senão a vaidade.
Assisti a apresentação com parte do olhar entregue ao poético concerto entre vozes e letras, melodias e instrumentos - e que bateria!; meu outro olho - o 'gauche' - se distanciou de sons - e espaços e formas e cores e climas -, flutuou sobre as gentes e depressa, depressa, foi cavoucar papel e lápis, reais como os sonhos bons da madrugadinha antes do amanhecer. Escrevi furiosamente, como quem vai morrer.
O show foi agradável: música de qualidade e amigos em igual medida. Declinei de esticar a noite - e o braço, pois 'vontade é entre a medula e epiderme, querer é onde o músculo se expande.'
Não lembro se tinha um letreiro indicando 'entrada' - mesmo fosco e em qualquer cor... Deveria haver: a lógica assim manda.
A música não é lógica. Pessoas não são lógicas. Meu olho torto, que vê coisas estranhas (e gosta), também não...
Ave, Vita! Moritura te salutat.