A DOR DE UMA LENDA
Ao final da manhã fugidia, sinto o sol branco a queimar minha pele, prenunciando a noite fria e indolente, na qual aparecem fantasmas famintos para devorarem os cacos residuantes do jazido infante; e para beberem das insalubridades da maturada e túrbida carcaça, fermentada em seus próprios discernimentos inflamados.
Na avenida da saudade, pavimentada com meus sonhos acabrunhados, ainda sinto uma tênue ponte, ligada ao distante e inconspurcado templo; e uma interna luta entre o que fora plantado na floresta virgem e o que, à passagem inevitável, fora visto nas cidades dos homens.
Na avenida da saudade, ainda ouço aquelas melodias a se me ressoarem suavemente, como que a se sobreporem a todas as demais sonoridades cacofônicas que se me sucederam.
Na avenida da saudade, ainda sinto o cheiro das flores contidas naqueles bosques por onde meus pequenos passos caminhavam impermistamente.
Na avenida da saudade, ainda forcejo me evocar aquelas utopias perdidas, como que a se tentar manter alguma sublimidade que havia nos etéreos alvoreceres iniciais.
Mas.
A um abrir de olhos, contemplo castelos de pedra com imponentes senhores a expelirem imperativos em alocuções jactanciosas.
A um quebrar de asas, quedo-me ao chão ressequido, fragmentado com razões avessas e sentimentos fugazes.
A um expor de meu corpo cansado, sinto o vento selvagem fertilizado-me com palavras agitadas a se conflituarem com a inocência tenra.
E.
Após a ampla jornada em searas de circunspecções hipócritas e de sonhos mortos em quedas decorrentes, os fantasmas – sou-os também – sussurram suas últimas blasfêmias, profetizando o fim da lenda.
Péricles Alves de Oliveira