A DOR DE UMA LENDA

     Ao final da manhã fugidia, sinto o sol branco a queimar minha pele, prenunciando a noite fria e indolente, na qual aparecem fantasmas famintos para devorarem os cacos residuantes do jazido infante; e para beberem das insalubridades da maturada e túrbida carcaça, fermentada em seus próprios discernimentos inflamados.

     Na avenida da saudade, pavimentada com meus sonhos acabrunhados, ainda sinto uma tênue ponte, ligada ao distante e inconspurcado templo; e uma interna luta entre o que fora plantado na floresta virgem e o que, à passagem inevitável, fora visto nas cidades dos homens.

     Na avenida da saudade, ainda ouço aquelas melodias a se me ressoarem suavemente, como que a se sobreporem a todas as demais sonoridades cacofônicas que se me sucederam.

     Na avenida da saudade, ainda sinto o cheiro das flores contidas naqueles bosques por onde meus pequenos passos caminhavam impermistamente.


     Na avenida da saudade, ainda forcejo me evocar aquelas utopias perdidas, como que a se tentar manter alguma sublimidade que havia nos etéreos alvoreceres iniciais.

     Mas.

     A um abrir de olhos, contemplo castelos de pedra com imponentes senhores a expelirem imperativos em alocuções jactanciosas.

     A um quebrar de asas, quedo-me ao chão ressequido, fragmentado com razões avessas e sentimentos fugazes.

     A um expor de meu corpo cansado, sinto o vento selvagem fertilizado-me com palavras agitadas a se conflituarem com a inocência tenra.

     E.

     Após a ampla jornada em searas de circunspecções hipócritas e de sonhos mortos em quedas decorrentes, os fantasmas – sou-os também – sussurram suas últimas blasfêmias, profetizando o fim da lenda.

     Péricles Alves de Oliveira
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
Enviado por Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent) em 18/08/2013
Reeditado em 18/08/2013
Código do texto: T4440897
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.