Primeiro dia no divã
Ás vezes, eu acordo assustado no meio da noite. Ainda acostumado com o horário do antigo emprego, acho que estou atrasado e o despertador do celular não tocou. Pego o celular e vejo as horas. Quase sempre umas três da madrugada.
Ela não percebe, mas eu me levanto da cama. Penso em fumar mas acabo desistindo. Abro a geladeira e não pego nada. Depois, sento no sofá e fico olhando a porta num silencio quase que completo (as vezes percebo o som do ponteiro do relógio na parede).
Imagino o dia que vai sair por ela sem voltar nunca mais. Não importa o quanto eu insista para que confesse, ela sempre vai me dizer que é um absurdo pensar nisso. Mas sei que é uma questão de tempo para que desista. E eu não a culpo por isso. É jovem e tem uma vida toda pela frente. Não merece passar os anos como enfermeira particular de um louco.
E quando for, eu só quero que saiba que eu amo. E não vou deixar de amar só porque não irei mais vê-la. E quando for, que saiba que eu me arrependo. E sei que a culpa é minha. E quando for, que saiba que estava além de mim. E que eu me esforcei pra manter a sanidade mas algo me tirava do normal. E quando for, que sabia que muito antes de dela ir, eu já estava triste. E que a tristeza foi um sentimento premonitório.
Escolhi ser triste para que eu não brigasse mais. Pra que eu tentasse aceitar as coisas que me incomodavam e engolir todas elas. Para que não saísse como um terrorista, atirando em todas as direções, ofensas de acontecimentos esquecidos para aliviar minha angústia.
A angústia que venho sentindo é por ela ter se afastado de mim. Por já não saber o que fazer pra ser alguém com quem ela queira ficar. Eu sei que não quer estar comigo. É isso que me dói, não vê? Se afasta de mim porque estou triste. Fico triste porque se afasta de mim. E mesmo que se esforce em me ajudar, eu erro. E se afasta de novo.
E acordo todos os dias, no meio da noite, de coração acelerado e assustado. Pra ter certeza que ela ainda está dormindo do meu lado. Pelo menos, mais uma noite.