Ignum: Ars Incendia

(Fogo: a Arte do Flamejar)

Por: Álan M. Mesquita

Dou aos sentimentos e todas as cargas de emoções comburentes, o elemento do fogo, por excelência: ambos produzem calor próprio e são exclusividades do ser humano. A cada reação do fogo, a cada uma das manifestações emotivas da nossa alma mortal, existe um combustível específico, um catalisador que vai liberar resultados próprios de cada um deles.

A felicidade e a alegria queimam ao fogo como um incenso. Elas liberam aromas que contagiam o ambiente, que relaxam e harmonizam pensamentos e situações. A alegria, como o incenso, mantém o fogo brando e controlado, mas contínuo, sem jamais perder o calor. A alegria é um filete de incenso, pois não precisa de motivo pra ser queimado, mas estamos sempre ocupados demais para lembrar disso.

Já a tristeza é uma estufa. Ela consome brandamente, mas sem interrupções. O calor incômodo é instantâneo e deixa chagas onde toca, e quando o fogo apaga, mesmo depois de muito tempo, o calor custa a dissipar-se. Ele persiste consumindo e desgastando aos poucos, enquanto estivermos presos a esta estufa. O suor que escorre de nós na estufa é o sofrimento, uma água quente e maculada que não serve para abrandar o calor maldito da tristeza, mas só faz levar embora nossas energias.

A inveja queima a ponta de um palito de fósforo. Um fogo pequeno e insignificante, que logo se apaga se não dermos a devida atenção, mas que surge somente com o intuito de incendiar alguma outra coisa. A inveja é fogo que queima no dinheiro e nas fortunas do homem, pois se destrói com os sentimentos aquilo que se deu valor por toda a vida. Sentir inveja é usar o fogo de forma hipócrita.

O ódio é um incêndio. É puramente irracional, desenfreado e destrutivo. Machuca, queima, mata, elimina. O ódio, assim como um incêndio, não faz distinção de alvo, e é contagioso. Tudo em volta de um incêndio é afetado e destruído, inclusive o próprio incêndio, que some quando não há mais o que queimar machucar ou destruir. Qualquer coisa pode provocar um incêndio, mas poucas podem pará-lo.

Mas nem mesmo o pior dos ódios pode macular a indiferença, pois ela é a água. A água não pode ser tocada pelo fogo dos sentimentos, ele não a afeta. Mesmo quando a água ferve, ela evapora e em pouco tempo volta a se tornar água. A água apaga o fogo e elimina o calor das emoções: é o que busca a indiferença. Quando consegue, ela endurece e se torna o gelo da insensibilidade: maldito e frio, e como o ódio, pode também causar destruição.

A vingança é repugnante, pois é representada pela escória ou lixo. É tóxica, contaminada e, consumida pelo fogo, espalha uma queimada viciosa e um fedor impregnante. Como a borracha de um pneu velho, ela vai queimando lenta e dolorosamente. Tudo que toca é contagiado e danificado de forma irreversível, e a fumaça que se ergue aos ares da alma é negra e epidêmica.

Assim como a esperança, a fé é uma tocha. É um sinal aos desavisados, uma centelha na escuridão, um guia aos perdidos. A tocha sustenta um fogo robusto e resistente, que persiste até sob a chuva da indiferença. Está perto o suficiente para iluminá-lo e longe o suficiente para não afetá-lo. Uma tocha pode acender ou re-acender outras inúmeras tochas, sem perder a robustez de seu fogo. Ela não mostra todo o caminho, mas ilumina o bastante para que você possa andar seguro quando estiver sozinho no escuro. Infelizmente, uma tocha usada de forma maliciosa também pode provocar um incêndio...

Egoísmo, avareza, ganância... Tudo isso o fogo trata de queimar como um cigarro. Enganamos-nos, dizemos que podemos nos controlar perfeitamente, mas persistimos em nos consumir com eles. Muitos sabem do mal que estão lidando, mas preferem ignorar, até o ponto em que for tarde demais para voltar atrás.

Todos estes “combustíveis”, tratados da devida forma, trazem a nós equilíbrio e discernimento entre o bem e o mal; o certo e o errado. Mas há dois deles que conseguem nos afastar completamente das rochas sólidas da razão, e nos leva a uma hipnose cega e confortável diante de uma bela lareira de carinho, amizade e ternura: a paixão e o amor.

A paixão, como um bloco de feno, é palha, e permanece inerte e inexpressivo, até que o fogo da emoção aja sobre ela. Ela queima instantânea e agressivamente, de forma desvairada, louca, insana. Não produz mau cheiro, e está sempre crepitando alegremente. A quantidade de palha determina o tempo e a intensidade que o fogo irá queimar: cada um alimenta sua paixão de uma forma diferente. A palha da paixão produz uma pira alegre, excitante e contagiante, ilumina, acalenta e convidam todos a festejar ao calor deste sentimento. Mas a palha queima rápido demais, e o fogo logo vai embora. O que resta são cinzas mirradas, que os ventos do tempo carregam consigo, deixando apenas uma pequena mancha escura no chão para que, com muito esforço, alguém se lembre que ali queimou um intenso sentimento. A paixão queima como um sentimento lindo e fervoroso, mas não se mantém e perece ao mínimo desgaste, como a água da indiferença ou os ventos, que representam o tempo que passa.

Uma tora grossa, grande e cascuda de carvalho, usada como lenha, é uma excelente representação do combustível que, queimado pelo fogo, gera o que conhecemos por amor. A beleza não está na aparência rude da lenha, mas como ela é capaz de manter o fogo de nossos sentimentos queimando continuamente por muito, muito tempo. A lenha, colocada na lareira, vai aquecer, iluminar, inspirar, confortar, divertir e acalmar todos que sentarem-se perto dela. É um fogo duradouro, forte e belo, mas precisa de cuidados eventuais para que não enfraqueça e apague, restando apenas uma brasa monótona. Um amor verdadeiro cresce e se expande ao ser exposto ao sabor dos ventos do tempo, gerando labaredas carinhosas de afeto e respeito.

A palha da paixão é capaz de acender a lenha de um amor uma única vez: se não for capaz, o fogo apaga e nada acontece. Mas a lenha do amor, enquanto queima, pode queimar as palhas da paixão quantas vezes se desejar que aconteça: isso só aumenta a energia com que o fogo queima. A lenha queimando acende outras lenhas, tochas e incensos, e está protegida da chuva dentro da lareira, por isso é o mais belo dos sentimentos: porque só ele merece a eternidade.

Você tem o fogo dentro de si, assim como eu. Use seu bom senso, escolha seus combustíveis e queime-os! Qualquer dúvida que lhe surgir durante o frio, pode me procurar. Estarei em uma casa de pedras, embaixo da chuva forte, com uma chaminé esfumaçante. Traga uma tocha, pois o caminho é escuro. E, se conseguir chegar lá, ficarei feliz em recebê-lo. Vai acolher-se frente à minha lareira, conhecerá o amor da minha vida, que estará alimentando a lenha com palha seca, e relaxará sob o aroma doce de um incenso do sol enquanto cai no sono, imaginando se ali é o paraíso ou se você apenas se descobriu, finalmente.

Até lá, boa sorte!

Dedico este texto ao mundo todo;

dedico ao homem moderno,

que esqueceu que é somente mortal;

dedico aos solitários;

e dedico à pessoa que acendeu minha lareira há algum tempo,

mas recusa-se a deixá-la apagar até hoje...

Ingredior Mens
Enviado por Ingredior Mens em 08/04/2007
Código do texto: T442492