BODES EXPIATÓRIOS

Na tarde de 11 de julho de 2103

Bodes expiatórios só têm realmente direito ao mais completo dos silêncios, a nenhum gemido de protesto, mesmo camuflado.

Bodes expiatórios têm direito a algum renascimento após cumprirem, na íntegra, os seus destinos de bodes expiatórios?

Ah, quisera poder crer nisso, como quisera poder crer! Peço proteção ao Deus dos bodes expiatórios e peço misericórdia para mim (apenas isso) a alguns seres aqui na Terra, para que eu consiga viver ainda mais um pouco. Viver... ah, ainda que minha vida seja, para vários, sinônimo de simulacro. Afinal, não posso pretender nada para além disso. Minha mãe e ainda algumas mulheres amigas precisam deste triste simulacro (na vida real, não falo das pessoas, homens e mulheres do Recanto, estes amigos delicados, gentis). Que o pouco que sobrou em mim de ser real esteja e seja para servi-las, para servir a essas poucas criaturas do mundo real, imediato, que creem em mim, ainda. Que nunca deixaram de crer em mim, como eu nunca deixei de nelas crer.

Quanto aos demais,a todos a quem feriu, que resta a este simulacro de gente senão continuar a pedir perdão, a pedir perdão, a pedir perdão, tanto pelo erros fundos, efetivamente cometidos, como pelos crimes hediondos que possa ter cometido, mas, dos quais não pode confessar real dolo porque não consegue se lembrar de tê-los cometido - do mais terrível deles se lembra, crime não premeditado, mas de que adianta que não o tenha sido, premeditado, se nunca será perdoada por ele, por tal crime não premeditado? Ainda assim, ainda assim, continuará a pedir o perdão impossível. Até o fim dos dias, ainda que dentro do mais fundo de todos os silêncios, do silêncio mais fundo como a grande meta a ser atingida em cada dia, como o mais doloroso de todos os cilícios.

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