Enobrecidos pelo Trabalho
O trabalho enobrece o homem. Crescemos ouvindo isso e assimilamos a lição: pra ser alguém na vida precisamos trabalhar, trabalhar e trabalhar.
Se as condições forem péssimas, o salário miserável e o chefe um babaca: não importa. Afinal, é uma oportunidade. Uma oportunidade de termos um trabalho e nos tornarmos pessoas dignas por meio dele.
Esse é o discurso que interessa a todos os patrões. O empregado dos sonhos é aquele que aceita tudo com resignação, não questiona, não exige. Ter um emprego para ele já é um luxo.
Ao nos tornarmos parte desse sistema, aceitamos que para ter dignidade é preciso ser explorado calado. Sim, pois o patrão sempre irá nos lembrar de que existem outras 300 pessoas, no mínimo, que gostariam de ocupar aquela mesma posição sem questionar.
Quem ousa questionar, se revoltar contra os lucros exorbitantes que esses senhores tem em relação aos salários mínimos pagos aos seus funcionários é considerado um desocupado, um baderneiro, um revoltoso de classe média, um filhinho de papai criado a leite-com-pêra e nunca precisou trabalhar. Ainda que esses adjetivos viessem a calhar, não desqualificaria o argumento: criticar o argumentador e não o argumento é uma das falácias mais clássicas.
O que se critica não é termos que trabalhar. Mas sim, termos que trabalhar sem propósito, exclusivamente para pagar nossas contas e sobreviver enquanto os empresários ficam cada vez mais ricos. É uma espécie de escravidão moderna disfarçada de liberdade.
E o teatro da hipocrisia de ambos os lados continua: de um lado, empresas fingindo que se humanizaram, usam o termo colaboradores em vez de empregados e diz proporcionarem uma ótima oportunidade de crescimento profissional, enquanto os trabalhadores fingem estar muito alegres e entusiasmados em receber aquela proposta de semi-escravidão mal remunerada.
Exceção seja feita a uma minoria de pessoas que consegue ocupar bons cargos e receber bons salários pelo próprio mérito, seja na carreira pública ou privada. Mas o número de vagas com esse perfil disponíveis é tão ínfimo perto do número de trabalhadores que é evidente que a maioria nunca irá conseguir. É um sistema excludente por natureza e se não tivermos uma carreira promissora e satisfatória não significa que somos fracassados.
Somos milhões de fracassados diante de uma minoria vencedora ou somos milhões de explorados diante de uma minoria oportunista?