Um corpo fora de mim.
Amanheço boa parte dos dias com a impressão de ter acordado num corpo estranho. Até a simples tarefa de caminhar se torna bizarra. Ensaio mentalmente mirando o chão: - Um pé na frente do outro. Ninguém pode perceber que hoje eu não sou eu! - Fatalmente no meio de tanta concentração, acabo por tropeçar (a arte do desastre, um espetáculo!) logo eu que gosto de passar despercebida e em silêncio, faço um ruído, chamo a atenção. Minhas pernas parecem espuma de sabão e meus pés parecem escorregar nessa espuma. Meu rosto queima enquanto meu olhar tateia o chão, tímido e inquieto. Volto a encarar meus pés e me pergunto: - Como fui parar ali? Ou aqui, que seja... - É como se eu me tornasse a terceira pessoa de mim mesma e tivesse a possibilidade de me ver por fora, me assistir. É assustador. A visão é abstrata, uma abstração infinita de dúvidas e tudo isso é muito curioso, tedioso. As horas não passam, a sensação de estar sem identidade é horrível, as vezes interminável.