Pensamentos de passagens
Gosto de gente.
Mais que qualquer outro motivo “gostar de gente” foi decisivo para eu tornar – me professora, há um bom tempo atrás.
De lá para cá caminhei, exercendo minhas atividades de professora em algumas escolas e turmas variadas até chegar à escola onde, atualmente, ”ensino” psicologia educacional para estudantes do curso de formação de professores.
É uma escola localizado em um prédio público central à cidade muito bonito, tombado e bem conservado.
Todos que vão a esse lugar, logo no primeiro momento, se deparam, com um também, belo e desenhado portão de ferro que deve ser levemente empurrado para que se possa adentrar naquele espaço público.
Assim como todos que ali vêm, diariamente, quando chego à escola, cumpro a condição necessária para eu chegar ao local desejado empurrar o tal portão para adentrar um amplo e bem cuidado saguão e atravessar o local mais viva da escola. O pátio!
O pátio! Lugar amplo e quase sempre ensolarado. Seguramente, o lugar mais alegre da escola. Sempre animado pelo burburinho dos alunos, onde uns correm, outros gritam... e, outros realizam os mais diversos e criativos jogos.
Muitos jogam bola.
E tantos outros alunos, organizados em pequenos grupos conversam.
Ao completar a travessia do pátio e, antes de alcançar o lugar desejado chego a uma segunda porta.
É a porta do segundo prédio, que faz parte do conjunto arquitetônico que compõe a escola, mais conhecido como bloco B.
Cotidianamente, após atravessar essa porta avanço por um limpo, encerado e longo corredor até chegar ao seu final, onde fica a escada que leva ao segundo andar, local onde estão localizadas as salas nas quais realizo minhas atividades.
Para mim e para todos que pretendem alguma coisa naquele local, basta por o pé no portão e ocorre uma inevitável troca de olhares.
Olhos que, devido à posição estratégica do olhador, vêem e são vistos, mesmo que, o olhado não os queira ver.
Todos os dias, sem exceção, lá vou eu caminhando e de um pequeno cômodo ao final do corredor olhos me olham e eu, enquanto fixo o olhar no corredor para que chegue ao meu destino sem tropeçar em nada, sou obrigada a mirar os olhos do olhador.
O olhador! E nossas trocas de olhares!
São trocas que a princípio não me incomodam, pois é o olhar de uma imagem de Nossa Senhora de Fátima que em um pequeno cômodo, a título de capela, se encontra posta ao lado de uma jarra de flores sobre uma mesa ricamente enfeitada com uma toalha branca bordada.
Como escapar à mirada desse olhar, se eu tenho que manter a vista levantada para prosseguir bem na caminhada, pois a posição da santa é estratégica e não permite aos transeuntes, mesmo que desejem, escapar ao escrutínio do seu olhar?
Ela é uma legítima representante da religiosidade hegemônica brasileira transformada, naquele espaço público em guardiã de todos no cotidiano da escola, sem se considerar a multiplicidade cultural religiosa existente.
Essa experiência cotidiana forçada pela força da hegemonia cultural me faz indagar.
E, se fosse um Orixá?... E, se fosse um Buda?... E, se fosse?... E, se fosse?...
Quais seriam as outras possibilidades de respeito à diversidade cultural e a alteridade e, por elas, de uma sociedade mais democrática?