Culpa fictícia.
Culpa fictícia.
“Culpa fictícia”, é a auto-inculpação, ou auto-acusação, com aparente aspecto de realidade, ou seja, é o estado em que se encontra alguém que se julga causador de um fato reprovável (individual, social, ou jurídico) em certa situação, sem que haja, na realidade, seja culpado.
A expressão “fictícia” induz à ficção: uma “viagem” no tempo criada exclusivamente na mente de quem se julga culpado.
A culpa fictícia não exclui a responsailidade em nenhuma das suas esferas de incidência, nem a culpabilidade, nem a própria culpa nos sentidos amplo e estrito, nem o erro de proibição, o erro de tipo, os erros essencial e acidental etc., nem, , tampouco, o tema ora tratado fala do cuidado objetivo, ou do cuidado do “homem médio”, nem a percepção da necessidade de antevisão dos fatos [v. Recanto das Letras: "Leio mentes", ou "Mato baleias"].
O exemplo a seguir demonstra o que significa a culpa fictícia e as suas consequências... Uma cliente me procura com a pesada culpa por causado a morte do marido, e relata o ocorrido... Há meses havia ele passado a beber exageradamente, chegando a perder a consciência por várias vezes... Ele mesmo já havia concluído que necessitava de ajuda psiquiátrica... Um dia, ela recebe um telefonema para que fosse até à estação das barcas, onde o marido se encontrava completamente alcoolizado, numa cadeira de rodas em que o colocaram, depois de ter sido retirado do mar onde havia caído devido ao seu estado de embriaguês... Ela o leva para casa, e, como sempre fazia, dá-lhe um banho com a ajuda do caseiro... Deixando-o com este, sai um instante para cumprir um compromisso, e retorna... quando encontra o marido morto. Pronto: sente-se culpada pela morte.
A partir do resultado (morte), completamente imprevisível, à medida que a bebedeira ocorria com frequência, com a eficiente cura que se dava sempre da mesma forma (banho e repouso), ela volta no tempo, como num filme de ficção científica, principalmente dizendo que poderia tê-lo levado para um hospital e salvar a sua vida.
Assim, ela vê um resultado (morte do marido), e, a partir deste resultado, por indução, alinha as causas antecedentes desprezando as verdadeiras circunstâncias em que se encontrou, e cria outras. Logo, dentro de uma falsa realidade, forma a convicção de que poderia ter interagido com o marido nesta sua atual imaginação, volta ao passado, e acaba por decretar a sua responsabilidade (culpa) – literalmente iludida.
Em resumo, é comuníssimo achar-se responsável (culpado), depois de ocorrido, ou, depois do fato que não tinha a menor possibilidade de ser previsto nas suas causas, e, ser evitado nos seus efeitos, pois ninguém leva alguém para um Hospital para curar um pileque recorrente... salvo em casos especialíssimos.
Assumindo uma “responsabilidade” (culpa) exclusivamene porque houve um resultado, e que, sem esse resultado, tudo teria sido feito exatamente como antes sem nenhum problema, ela cria a ilusão (ficção) de que esse resultado era previsível e evitável.
Na culpa fictícia a pessoa passa a ter a convicção de que poderia fazer ou não fazer algo diferentemente do que fez no passado, sendo esta certeza baseada exclusivamente no fato atual, isto é, num resultado que não teve a menor chance de prever.
Também é o caso (concreto) de uma outra cliente que “perdeu” o marido, e, por isto, foi traumatizada... Relata, hoje, que fez um monte de “besteiras”...
Entretanto, as besteiras foram feitas naquelas específicas circunstâncias, e só foram feitas e assim conscietizadas depois de passado o trauma... o que quer dizer, em circunstâncias evidentemente futuras, ou atuais sobre o seu juízo crítico, que nada tem a haver com aquelas do passado (quando sequer sabia o que fazia)... Como haver culpa sobre outra pessoa (no estado psicológico que esteve não era a mesma pessoa de hoje) somado às outras cinrcunstâncias diametralmente distintas, na relação entre as do presente e do passado, a não ser por ficção?
É muito comum, comuníssimo, haver responsabilidades (culpas) DEPOIS de surgidos novos fatos ou conceitos (individuais, sociais, ou jurídicos): desmatar – hoje um absurdo, mas há alguns anos desmatava-se até por necessidade (casas, rodovias, ferrovias etc.), antes, sem nenhum juízo de valor negativo sobre o desmatamento; matar baleias, idem, o prejuízo ecológico etc.
Não obstante óbvio, é preciso dizer: NO PASSADO, a prática, em todos esses exemplos, e muitos outros, era legítima [política: admnistração de relações públicas ou interpessoais (ética: religiosa, governamental, popular etc.)], e, legal. Por conseguinte, consagrada como correta, isto é, aprovada individual e coletivamente. No entanto, HOJE, com outra percepção, diferente daquela, há quem responsabilize (inculpe) as práticas do passado como se pudesse a ele retornar com a vivência atual e refazer a história nos moldes das experiências que tem hoje... Neste sentido, o mais "lógico" seria dizer: -"se eu tivesse a chance de voltar ao passado com as experiências que passei a ter atualmente, aí sim, eu me conduziria de forma diferente"... Mas isso, repito, já está no plano da imaginação, da utopia, ou da ficção...
Niteroi, RJ, 03/07/2013.
Ass. Rodolfo Thompson