UM DIA NASCI

NA MANHÃ DE 2 DE JUNHO DE 2013

Um dia nasci. Durante as primeiras três décadas, achei-me personagem comum. Aí, repentinamente, me descobri personagem de Kafka, personagem não escrito por Kafka. Comum, como antes, mas trágico, porque desde então acusado, o tempo todo, por crimes dos quais não se lembra, pobre personagem que jamais tem qualquer direito a defesa. Perseguido por palavras surdas, às vezes brutais, palavras surdas que se fazem incontestáveis, por força, pela força sutilíssima e onipotente de quem as pronuncia, de quem as tem pronunciado, sempre. Pobre personagem detido sem escapatória, entre paredes sem grades. Pobre prisioneira do próprio silêncio inútil, pássaro de quem foi arrancado o canto, a fórceps. Pobre pássaro com males de tanta espécie, males sem trégua, a caírem sobre a própria cabeça. Males acumulados, uns sobre os outros, uns contra os outros. Cada um mais inacreditável do que o outro. Pobre pássaro com sua piedade inútil, com essa inútil e incompreendida piedade de si mesmo e de todos os seus "cúmplices" neste mundo. Pássaro que não recebe piedade nem ressalvas de seus "cúmplices", nunca, jamais.

Assim foi, assim tem sido, assim permanece sendo. Assim será para sempre. PARA SEMPRE? Ah, infeliz ser kafkiano. Personagem ignoto de si e de todos. Personagem sem razão e sem explicações. Para sempre? Para sempre? Melhor teria sido não ter vindo nunca. Veio, agora é seguir, até o fim. Haverá um fim? Talvez, se tudo terminar de vez no fim desta vida. Se houver outras... ai de ti, ai de ti, ai de ti para sempre, personagem infeliz.

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