À conversa com Kafka
Estávamos os dois sentados numa mesa de madeira perfeitamente quadrada. O tabuleiro de xadrez estava aos nossos pés e era ampliado pela laje preta e branca alternada. As peças eram as duas únicas cadeiras, também de madeira, que rangiam pelo peso dos nossos corpos.
Num confronto de olhares, frente a frente, falámos daquele abutre que nos foi tão estimado. Sacrificámos o corpo para saciá-lo. Fizemos dele animal de apreço e deixámo-lo que nos sugasse o sangue.
Na luta impulsionado pelo instinto lançou-nos o bico até às profundezas dos nossos seres. Torturou-nos bicando e saciando-nos a carne das entranhas, para logo nos abandonar rarefeitos.
Agora dilacerados, os dois, confessámos - Alivio.
Novamente na sala, as cadeiras multiplicadas encontravam-se em posição de jogo.
Estávamos prontos. Éramos Rei até ver esvoaçar o abutre em cima das nossas cabeças, sedento de mais bicadas. Pousou movimentando-se até ao “Mate” – Xeque mate.
Só agora toda aquela Morte nos havia sido sugada.