A ESSÊNCIA DA NEGAÇÃO...

“SE ALGUÉM quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, apanhe a sua estaca de tortura e siga-me continuamente” - Jesus Cristo.

Recentemente, estas palavras ganharam peculiar sonoridade em meu interior. Diante de um grande desafio existencial, uma acirrada disputa aconteceu em minha mente, que de um largo campo de flores subitamente se transformou num árido campo de guerra. “A beleza está nos olhos...”. Novamente, esta velha frase invadiu o espaço de meu intelecto. Lembrei-me do que o sábio Salomão fora inspirado a escrever: “Quanto àquele que é sábio, tem os olhos na cabeça”. Ter os “olhos na cabeça” sugere a necessidade de conscienciosa ponderação, meditação, esforço para enxergar além da mera visão.

Foi então que enxerguei, sob a perspectiva mais clara de toda a minha vida, o que Jesus realmente queria dizer com aquelas palavras citadas no início. A essência do verdadeiro cristianismo. A necessária, e às vezes dolorosa, negação. Um complexo paradoxo: aceitar o autêntico discipulado cristão envolve negar a si mesmo. Dizer não para coisas menos importantes, porém nem sempre menos desejáveis. Os três pilares fundamentais delineados por Cristo: negar conveniências, aceitar sacrifícios e perseverar diante de desafios. Aliás, tudo isso parece exatamente oposto ao que apregoa a chamada "cultura cristã" que nos rodeia. Antagonismo. Ironia. Contradição.

Finalmente entendi que no verdadeiro exercício cristão, triunfar é acima de tudo saber abnegar, renunciar, priorizar. Percebi que o segredo do contentamento não habita na posse, mas no desprendimento. É preciso abrir a mão, mesmo que disso escapem velhos prazeres ou arraigados costumes, para poder alcançar aquilo que mais se espera.

Ter é bom, mas não é tudo. Ter coisas demais pode até nos privar da melhor porção desta existência. Ao passo que não ter o suficiente também cobra seu tributo. Entre o ter e o nada ter, o melhor é reconhecer o exato momento entre o recolher e o desfazer. Se o excesso de bagagem atrapalha o usufruto da viagem, é importante reavaliar as prioridades. De modo similar, a falta de bagagem não deve ser a tal ponto que impeça o avanço da viagem. É daí que nasce o equilíbrio. Recordo-me do que escreveu certa vez Danusa Leão:

“Se eu pudesse, me desfaria de muitas coisas, da minha casa e de quase todas as roupas. Afinal, quem precisa de mais do que dois pares de sapatos, dois jeans, quatro camisetas e dois suéteres, sobretudo quando anda pensando em mudar de vida? Se eu tivesse muitas joias, enterrava todas elas na areia da praia para que um dia alguém enfiasse a mão brincando, assim para nada, e tivesse a felicidade de encontrar um colar de brilhantes. Afinal, dá para viver sem, não dá? Se eu pudesse, rasgava os talões de cheques, cortava os cartões de crédito com uma tesoura, fazia uma linda fogueira com os casacos de pele e ia saber como é que vivem os que não têm, nunca tiveram e nunca vão ter nada disso. E jogava na lata de lixo meus lençóis, meus travesseiros de pluma, meu cobertor e engolia minhas pestanas postiças, só para aprender que a vida não é só isso...”.