Tratado de Paz
Ainda não é tão fácil voltar a circular aqui dentro. O ar ainda é pesado e há tanta poeira! Mas nada disso esmorece essa alegria quase boba de ter voltado a esse quarto entulhado. Foi tão difícil reencontrar a porta que dá acesso a tudo isso que tem aqui dentro. Lá fora, onde estive, tudo era frio. De que eu achava que me protegia? Do ridículo de ser eu? Besteira! Eu que me deixe ser bobo de amor, dizer aqueles impropérios que me fariam rir se fossem ditos por outras pessoas... De que adianta tanta racionalidade séria se o garoto aqui dentro ainda quer mandar uma carta de amor?
Entre as palavras perfeitamente ajambradas que refletem os introjetos que engoli ou que criei para basear minha maturidade adulta e os desejos daquele garoto apaixonado que enfrentava chuva à noite para viver o amor na hora que fosse, sobrou, apertado, um eu que ainda não sabia muito bem quem era. Um quimera enjaulada que não sabia a qual lado de si pertencia. Pois bem, cansei de tentar descobrir. Tomei para mim: agora são os dois lados que me pertencem.
Deixarei a porta desse quarto aberta. E também suas janelas. Vou tirar a poeira dos sentimentos antigos e retornar os que ainda funcionarem ao uso. Deram tanto trabalho para construir e me serviram tanto! Seria um desperdício jogá-los fora ainda tão funcionais. Que este seja um cômodo aberto. A casa precisa mesmo de espaço: a criança, o adulto, o amante, o malandro e todos os eus de mim tem que conseguir circular.