DEBAIXO DO COLCHÃO...

UMA FORTUNA acumulada. Herança a ser deixada para a vindoura geração. Generosa finança engenhosamente escondida bem debaixo do antigo colchão. Variedades de cédulas. Quilos de diversas moedas. Garantia futura? Ou volúpia prematura?

A resposta veio após alguns anos. Pena que a implacável transitoriedade mais uma vez tramou contra os minuciosos planos. Sopraram-se os uivantes ventos de mudanças. Esgotaram-se, de uma só vez, os repletos “baús” de afânicas esperanças...

O tempo avançou e a economia se alterou. O governo foi trocado. O dinheiro substituído. E o que dizer do milionário sonho? Rasgado e sucumbido. Valores vencidos. Projetos falidos. Previstos investimentos não usufruídos. A nua realidade escancarada diante da face. Nada mais significava o recheado montante; meros papéis e enferrujados metais sem a menor validade...

Assim é a vida. Guardamos coisas que talvez jamais nos servirão. E relegamos caros valores à irrelevância da remissão (como uma miúda nota ao rodapé da existência, e não como tema central da nossa histórica vivência). Camuflamos de prudente “prevenção” a estulta mania de restringente autoprivação. Optamos pelos atalhos da fuga e da sinuosa omissão. Relacionamentos, sentimentos, intentos. Até Deus fora subjugado e negado pelo descrédito da vexação! A causa? Escondemos nossas prospectivas alegrias e mais nobres euforias abaixo do próprio "colchão"...

Por quê? Covardia no arriscar ou pessimista convicção de que toda a tentativa chafurdaria no falhar? Possivelmente as duas coisas. Como aquela criança que somava palitos de picolés no desejo de trocá-los por uma sofisticada bicicleta. Na ânsia de ajuntar, porém, ignorou os prazos e despercebeu que a premiação tão logo iria acabar. A promoção passou. E a decepção se instalou...

Os palitos eram tantos que esgotaram-se os recipientes de acomodação. Mais um caso em que a ganância pela possessão enfartou a bem sucedida capacidade de obtenção. Sobraram cruas vontades de realização. Ansiedades corroendo as artérias feito um turbilhão. Diminutos pedaços de descartável madeira na mão. Ambição jorrando no cerne do coração. Entretanto, foi-se embora para sempre o inestimável, e mais almejável, quinhão...

Talvez fosse melhor deixar de guardar tanta coisa sob o estrado das inutilidades... Desfrutar mais e acumular menos... Ou quem sabe criar coragem, reunir disposição e trocar de vez o surrado colchão...