COTIDIDANO
Certa vez, não faz muito tempo, a vida era vivida de forma mais gostosa. As obrigações não eram tão mortais como as de hoje. O trabalho era uma satisfação; a televisão, um gostoso passatempo e os passeios nos fins de semana mais seguros e prazerosos. A normalidade era suportável... O que aconteceu ou o que acontece de verdade? As pessoas – eu também – não se falam mais e, no fundo, precisam ouvir e serem ouvidas. Um silêncio estrondante ecoa no vazio da atualidade e revela a opacidade refletida no interior de almas que conversam entre si, imersas numa escuridão mortal que alimenta as frustrações, desenganos, abandono de sonhos e esperanças... Se fosse colocar em porcentagem, diria que 99,9% da população mundial vive sem realmente entender o objetivo da própria existência. Pode ser exagero, mas isto se reflete na crescente, maçante e, por vezes, desnecessária onda de violência pessoal e coletiva (entenda violência nas suas diversas e complexas ramificações, ou seja, do suicida – autoviolência – aos hediondos atos cometidos contra alguém ou um grupo, seja esta verbal ou não); a mecanização do sentimento humano tornou-o em uma massa superficial em constante movimento; a troca da presença humana, animal ou vegetal por imitações tecnológicas da vida, etc... O 1% restante tenta, na denominação religiosa ou no segmento religioso/ espiritualista independente e particular, encontrar meios para encontrar uma moldagem mais branda para esta dura realidade até que seja, no mínimo, suportável. O fato é que o estresse provocado pela implosão de problemas que o dia a dia causa está tornando doentes todos os que passam por este mundo, não importa o tamanho de sua força interior ou de sua vontade de justiça ou mesmo sua esperança. Nem mesmo os loucos, poetas e ociosos escapam de tanta “desgracença”, pois são homens e, em algum momento, a natureza física e mental se fragiliza. Que mistério tão grande é esse que não conseguimos decifrar? O normal enlouquece, o louco adoece, o doente vegeta e nada se produz nesta terra que nem mesmo para si consegue nutrientes... Algo está errado no ar. Um silêncio de morte e inquietude avança lentamente sobre a existência e está suspenso, à espreita...