O FIO de CABELO e o MAR...

UM SOLITÁRIO FIO DE CABELO navegando no vasto coração do mar. Quem o pode notar? Pequeno demais para ser observado por homens. Insignificante demais para ser percebido ou, muito menos, procurado. Seu peso em nada modifica o nível da maré. Alvo fácil para o contínuo movimento das ondas. Vulnerável. Desprezível. Ninguém parece se importar. Era exatamente assim até o dia em que...

Ao longo das eras, incontáveis multidões lançaram-se mar adentro procurando relíquias. Ouro. Pérolas. Lindos corais. Caras joias submersas nas profundezas. Mas jamais alguém se lançou ao mar em busca de um único fio de cabelo perdido. Quem se atreveria a procurá-lo? Quem é que se sacrificaria a fim de resgatá-lo? Por certo, desistir dele e dá-lo como desaparecido soaria mais normal, natural. Que valor teria um frágil fio, afinal?

Porém, alguém o mirou, o notou. Apesar de residir no mais excelso andar do “condomínio” chamado Universo, no último piso da cobertura celeste, ainda assim foi capaz de perceber quando aquele pequenino fio se desprendeu e, depois disso, se perdeu. A mais expressiva altura de Sua digníssima habitação não impediu seus olhos de contemplar: a desesperadora situação daquele fio de cabelo solto ao sabor do mar.

Ele o viu. Compadeceu-se. Sentiu um irrefreável desejo de fazer algo em seu benefício. Libertá-lo do anonimato; da falta de esperança, da total insegurança. Reverter sua lastimável condição. Restabelecê-lo ao lugar de onde veio. Sua história. Sua origem. A “cabeça” de seu legítimo proprietário. Reimplantá-lo. Reinseri-lo ao propósito. Curvou-se para alcança-lo. Abaixou-se. Desceu de seu próprio trono. Privou-se do conforto; da doce companhia da tão estimada família. Dos afagos do Pai. Da privilegiada vista da alta posição. Molhou os pés nas turbulentas águas. Enfrentou o mar. Foi castigado pelas brutas ondas. Incompreendido. Mergulhou de cabeça. Conheceu de perto a dor. Sacrifício. Amor. E quanto amor...

A vontade de livrar o pobre fio do eterno detrimento falou mais alto do que o mais terrível e angustiante sofrimento. O que era para ser submersão irreversível de repente se transformou em salvação, por seu nobre ato, tornada possível. Nunca um único fio de cabelo teve tanta importância. Nunca uma partícula tão diminuta foi foco de tanto valor! Amor. Quanto amor...

Chega de mistérios. Hora de esclarecimentos. Em destaque como aquele que nos veio em socorro, o honrado Príncipe dos Céus, Jesus. A melhor tradução do sublime amor do Supremo Deus Criador. Quando esteve entre o “mar” da humanidade, não teve medo de se molhar. Entregou-se por inteiro, sem qualquer receio de se machucar. Quando diante da vasta multidão em geral, podia enxergar cada ser, cada vida individual. Percebia suas dores. Seus clamores. Suas feridas. Se comovia. Se contorcia. Por isso, tomado por divina empatia, agia. E como agia...

Certo dia, enquanto os demais viam um aglomerado indistinto de rostos, suas ternas pupilas miravam e admiravam uma única pessoa. Uma simples viúva. Pobre. Ignorada. Imperceptível. Quase invisível. Os olhos atentos de Jesus focalizaram a resoluta confiança daquela humilde mulher em ação. Na face, um largo sorriso de sincera e farta aprovação. Satisfação. Sim, ele a notou. Elogiou. Valorizou. Recompensou. Um único “fiozinho de cabelo” tratado com a riqueza e nobreza de uma autêntica, e mui preciosa, coroa real. Especial. Ímpar. Sem igual.

Seu ato em resgate de humanos pecadores não tem precedentes. Valentia e coragem sem quaisquer antecedentes. Seria muito mais fácil para Jesus e seu Pai terem nos abandonado; nos subjugado ao mórbido destino que, por nossa própria rebelião, fora inicialmente selado. Quem realmente somos nós? Ora, meros “fios de cabelo” que se separaram, por tola iniciativa independente, da “cabeça” onde fomos plantados. Folhinhas de capim passageiras que preferiram a convivência das áridas pedras sem vida ao belo jardim de delícias onde nascemos e fomos criados.

Ainda bem que fomos notados. Valorizados. Amados. Resgatados. A tal altura, já era para termos desaparecido para sempre na escuridão da perpétua inexistência. Fim irreversível, sem qualquer resquício de sóbria vivência. Um naufrágio definitivo, sem nenhuma chance de um dia retornar. As abundantes águas, por certo, já teriam nos subvertido. Engolido. Vencido. Ainda bem que aqueles luminosos olhos, preenchidos de amor, foram capazes de enxergar... o pequenino fio de cabelo solitário, boiando sem rumo no coração do vasto mar!