PÁSSAROS RASTEJANTES...

VIVEMOS em tempos de franco crescimento. Nunca formamos tanta gente em tão diversos segmentos. Segundo o núcleo de pesquisa e estatística CENADEM, a humanidade gerou a mesma quantidade de informação nos últimos 50 anos que nos 5 mil anteriores. Esse número duplicará nos próximos 26 meses. Desde 2010, a informação duplica a cada 11 horas.

No entanto, apesar de tanto conhecimento disponível e acessível, o que temos visto com muita frequência na atualidade são o aborto da inventividade, o assassinato da criatividade e, como efeito colateral, o sepultamento da originalidade. As “asas” que deveriam nos fazer alçar grandes e largos voos foram, repentinamente, quebradas. “Pássaros” feitos para “voar” se contentam em apenas “rastejar”.

Isso me preocupa e me entristece muito! Por que isso está ocorrendo em pleno século 21? O século dos avanços tecnológicos não deveria ser também o século dos pensadores originais? O que era para ser “regra” inata da espécie tornou-se rara “exceção” de uma escassa, e por que não dizer injusta, seletividade. Talvez esta seja uma das maiores e mais irônicas incongruências geradas pela modernidade.

Em adição à crise na originalidade podemos citar ainda a crise na liderança. Aliás, voltando à analogia das asas, penso que originalidade e liderança estão profundamente integradas e inter-relacionadas. São como as duas asas complementares de um pássaro, cada qual com sua particular contribuição para o verdadeiro desenvolvimento humano.

As raízes desta crise são complexas. O sistema educacional certamente tem uma vasta parcela de responsabilidade na formação de “coadjuvantes” e “repetidores” que estão enchendo as “cadeiras” da atual sociedade. Como ponderou Immanuel Kant: "A Educação completa deveria formar... primeiro o homem de entendimento, depois o homem de razão e, finalmente, o homem de instrução, o aplicador do conhecimento aprendido”.

Num sistema em que os valores “cardeais” estão igualmente em crise, muitas pessoas são ensinadas a caminhar na direção errada, na contramão da intuição criativa. Os resultados são amarga frustração e estéril comodismo. Não raro, o questionar é visto como criminoso ato de insubordinação. A curiosidade é prontamente reprimida, erroneamente interpretada como irreverente rebelião. A originalidade é rapidamente banida como se fosse uma agressão ao tradicionalismo institucionalizado. Que lamentável ataque ao progresso, pela própria ineficácia do sistema, estagnado ou até impossibilitado!

É claro que de nada adianta apontar problemas sem sugerir soluções. Por muitos anos fui vítima deste sistema formador de “cópias e réplicas”. Mas há alguns anos, decidi abrir mão de ser mais uma réplica barata e "descartável" para tornar-me original e mais criativo. Não é visibilidade a razão de eu querer ser original. Mesmo porque a fama é uma faísca efêmera que vem e vai; que velozmente é acesa e mais subitamente ainda é apagada pelo furtivo sopro da circunstancialidade. O que me motiva a primar pela originalidade é o desejo de contribuir para a humanidade, mesmo que este contribuir seja percebido por poucos. Creio que a contribuição é sobrepujante em relação à valorização.

Para mim, pensador original é aquele que consegue olhar para horizontes antes ignorados pelos observadores. É aquele que consegue dar um passo além e chegar um pouco mais longe. É aquele que não tem medo de abrir uma nova janela e ver o que se esconde por detrás dela. É aquele que tem a ousadia de continuar em frente quando todos à sua volta desistiram e declararam: “inviável”, "improvável", “impossível”.

Gosto muito de uma frase atribuída a Sir. Isaac Newton: “Se enxerguei longe, foi porque me apoiei nos ombros de gigantes”. O pensador original é aquele que tem coragem o suficiente para deixar de ser “um ombro” a mais para outros a fim de se tornar “aquele que enxerga sobre” ombros alheios.

Concernente à crise na liderança, penso que muito se deve à inversão dos legítimos atributos que um exímio líder deveria possuir. Num ambiente cultural em que o “ter” é mais valorizado do que o “ser”, muitos ascenderam a posições de liderança sem nenhum preparo emocional ou conteúdo existencial. Farto carisma, ou somatórias de títulos acadêmicos, passaram a ser mais relevantes do que um farto grau de caráter. A evidente sequela tem sido uma sucessão de líderes fracos, completamente ineficientes para promover os mais importantes e caros valores morais. A cólera social gerou um nítido sinal sintomático de atrofiamento moral e aviltamento estrutural. Fiasco gerencial; escarro assistencial... Prova disso é que assiduamente assistimos a uma triste exposição de constantes escândalos e falcatruas; um dramático “teatro” político de hedonismo, narcisismo e egocentrismo.

Não sem motivos, muitos consideram Jesus Cristo como exemplo máximo do que significa ser um bom líder. Prova disso é que seus gestos, atitudes, palavras e posturas foram além do restritivo contexto temporal, transformaram a antiga configuração do mundo e, principalmente, revolucionaram de uma vez por todas o ser humano. Jesus foi um líder pelos motivos mais corretos. Além do mais, utilizou as ferramentas mais nobres ao exercer sua liderança envolvente e inspiradora.

Refletindo sobre a notória superioridade da liderança de Jesus, Napoleão Bonaparte certa vez declarou: “Alexandre, César, Carlos Magno e eu fundamos impérios, mas à base de que firmamos as nossas realizações? À base da força. Só Jesus Cristo fundou seu reino à base do amor, a até hoje milhões de homens morreriam por ele”.

Estas palavras dizem tudo. O bom líder não é aquele que dispõe de mais força, que se encontra no mais alto degrau da hierarquia e nem tampouco aquele que coíbe seus liderados a uma servidão cega e desmotivada. O bom líder é aquele que cativa pelo seu simples modo de ser. É aquele que “arrasta” outros sem “empurrá-los”, apenas por motivá-los. O bom líder não precisa berrar ou ameaçar a fim de ser obedecido. Ele aponta o caminho, dá o exemplo, e é espontaneamente seguido. O bom líder não é apenas admirado pelas suas realizações. Ele é amado por suas virtudes.

É exatamente disso que as sociedades modernas mais precisam...

“Onde está a vida que perdemos vivendo? Onde está a sabedoria que perdemos com o conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos com a informação? Os ciclos do céu em vinte séculos nos levaram para mais longe de Deus e mais próximos do pó.” - T. S. Eliot