Um contra o outro, contra ela mesma.

Não sei bem como começar a ilustrar meu humilde devaneio. Não tenho um vocabulário eloquente por isso não me arrisco a escrever uma poesia. Me contento em tirar um pouco dos meus pensamentos, esses insignificantes pesadelos que ainda me atormentam noite e dia. Pra dizer a verdade nem sei ao certo o que significa eloquente. Acho que esse era um dos maiores problemas com um deles. Ele sempre sabia de tudo, sempre tinha razão em tudo, sempre controlava tudo, até o nome das nuvens ele sabia. Se fosse cheia era Nimbus não sei o que, se fosse mais espalhada era Nimbus não sei o que lá.

Ele era um cara especial, ele enchia meus olhos, me fazia admirá-lo. Todos o admiravam, todos o respeitavam. O Anjo que não abrisse os olhos pra ver, seria deposto sem dúvida alguma. E um novo líder seria elegido e aclamado e idolatrado (Deus que me perdoe, quanta blasfêmia). E onde eu estaria no momento do seu triunfo, no momento da sua glória, no momento em que a multidão se aperta pra vê-lo, pra tocá-lo? Eu estaria no meio deles, aplaudindo em pé com certeza. Se relacionar com a perfeição até que é empolgante no começo. Todos sabem quem você é, está em todos os encontros importantes, sabem onde você mora, quantos anos tem. Você apenas tem que se preocupar em fazer cara de miss e acenar com um sorriso discreto. Você não tem tempo pra você, afinal a perfeição exige muita dedicação. Ao final, você não sabe o que gosta de comer, beber, vestir ou fazer. Eu tinha dezesseis ou dezessete anos eu acho, mas me sentia com trinta.

Você já esteve em Hollywood? nem eu. Mas imagino que seja algo fascinante. Se estivéssemos lá, sem dúvida ele seria o protagonista, loiro, alto, forte, com camisa semi aberta, com um chapéu de cowboy e um cigarro na boca, com um olhar que deixaria qualquer Cinderela perdidamente apaixonada. Bem, imagino que eu seria a sombra. Não, eu não seria a sombra dele, seria a sombra da árvore que compõe o cenário tão bem elaborado. Eles sabem que ela está lá, precisam que ela esteja lá. Mas quem se importa? Eu ficaria feliz se ele viesse se esconder do Sol, respirasse fundo, se sentasse e se alegrasse de estar protegido junto a mim. Ah! Mas com tantas câmeras, tantos olhos, tantas luzes. Quem se importa com uma sombra?

Havia algo errado, tudo aquilo se tornou chato, muito chato mas longe dali era insuportavelmente triste. Emocionante, excitante sim, mas triste.

Um dia lamentando a minha angustia aos quatro ventos avistei em cima de uma árvore um gatinho sorridente. Que com um olhar malicioso e inocente sorriu pra mim no meio do temporal e fez minha cabeça girar inúmeras vezes. Está tudo errado eu pensei, como ele pode fazer isso comigo, me impressionar desse jeito? Me sentia a princesa Aurora ao encontrar o príncipe Filipe no meio da floresta mas na verdade eu era apenas a Alice no país das maravilhas, uma menina perdida confiando em um gato que falava do meio do escuro e lhe apontava o caminho errado. Ele pensou, ela pode ser minha, ela tem que ser só minha, olhar só pra mim, pensar só em mim. Então ele preparou um feitiço, juntou as mãos, olhou pro Céu e atendeu ao mais descabido pedido de socorro. Me conquiste ela disse, arranque do meu peito essa dor insuportável, me resgate dessa vida infame, de tudo que há de mais ''correto'' entre o Céu e a Terra. Eu precisava respirar, e ele me deu ar, eu precisava voltar a sorrir e ele me fez ver a vida com um pouco de cor. Me seduziu, me atraiu, me chamou.

Não sei ao certo como finalizar essa história pois infelizmente depois de tanto tempo ainda me pergunto quem é de Deus e quem é do Diabo, embora eu saiba a resposta, meu conflito ainda não teve um fim. Uma decisão errada pode destruir por completo toda minha vida. Eu queria que alguém me desse a resposta certa, mas não posso, tenho que descobrir por mim mesma. Me embrenhar na escuridão de mãos dadas com a dúvida, me lançar, me entregar, me envolver ao ponto de não conseguir mais me soltar ou voltar pra segurança da minha casa.

Laís de Almeida